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segunda-feira, 25 de março de 2013

Homossexualidade no piegas e desinformado discurso sobre “o mundo, o pecado, e o Diabo”!


Sempre evito, o quanto posso, entrar nas discussões idiotas sobre homossexualidade que viraram uma “darling” nos meios cristãos brasileiros nos últimos anos. E isso por inúmeras razões. A primeira delas, claro, é que sou um homem gay, e tenho uma ética teológica que dirige meu ministério. Em segundo lugar, sou um Unitarista, e, assim, minhas prioridades e compreensões religiosas, assim como minha compreensão de “moralidade”, entram em contradição sonora com aquelas da maioria dos cristãos brasileiros que têm espaço nos meios de comunicação e no palco político. Ademais, minhas crenças políticas e minha cultura pessoal geralmente são muito distintas daquelas abraçadas pela maioria daqueles nos dois lados do embate político quanto ao tema no país. Logo, a não ser que o tema seja trazido à minha atenção, por alguma razão, nunca trato disso em meus escritos públicos – a não ser pelo fato de que pesquiso a história do pensamento teológico sobre sexualidade na tradição cristã, o que me faz lidar continuamente com o questões sobre homossexualidade [o que é muitíssimo natural em meu trabalho como teólogo].

Religiosamente, sou um protestante liberal – um Unitarista também ligado à Igreja Episcopal e à Igreja Unida de Cristo [para os que desconhecem, esses são bastiões da tradição teológica liberal nos EUA]. É importante afirmar isso para que compreendam de onde vem minha formação teológica, de onde vem minha compreensão sobre ética cristã. Cristãos como eu não abraçam injunções absolutas sobre certos comportamentos – por exemplo, beber, fumar, dançar não são comportamentos proibidos em nosso meio, como ocorre com certos grupos majoritários no meio protestante brasileiro. Acreditamos que a obsessão com esses costumes sociais é produto daquilo que nos EUA é chamado de “igreja da fronteira”i e que tal obsessão prescritiva não possua base nem nas Escrituras nem na tradição cristã em geral. Acreditamos que todas as coisas venham de Deus e que, assim, são boas – mas que devam ser usadas com responsabilidade e sabedoria: ou seja, devam ser consistentes com nosso chamado a fazer o bem ao próximo, à criação e a nós mesmos. Qualquer coisa boa, quando abusada [quando usada sem cuidado e sem sabedoria], pode tornar-se algo mau, e é por essa razão que o mandamento de amar [a Deus, ao próximo e a nós mesmos] é o princípio que deve guiar nossas relações com o todo da criação – talvez isso seja uma boa forma de resumir nossa compreensão sobre moralidade.

Como isso se relaciona com a questão da homossexualidade? Ou melhor, como já me foi perguntado antes por um amigo: “Como cristãos de diferentes grupos, que afirmam honrar as mesmas Escrituras, podem chegar a conclusões tão diferentes sobre questões de moralidade sexual?” [A questão tratada entre meu amigo e eu era a celebração do casamento – religioso – entre duas pessoas do mesmo sexo em minha comunidade de fé, no qual um dos pares era um ex-membro de sua comunidade de fé.]

Falando sobre minha compreensão teológica particular, talvez partilhada pela maioria de outros membros de minha comunidade de fé, esta está fundamentada sobre a tradição bíblica, apesar de eu utilizar diferentes princípios hermenêuticos daqueles utilizados por outras tradições cristãs. Há uma clara diferença interpretativa entre a forma como um cristão liberal como eu e um “evangélico”, por exemplo, interpretamos as Escrituras. Em minha tradição, damos à experiência [individual e comunitária] uma importante função no processo exegético e hermenêutico – o que permite que desafiemos, reinterpretemos e abandonemos certas passagens bíblicas como produtos culturalmente condicionados ou mesmo irrelevantes. Comumente, refletimos teologicamente sobre certas questões, começando pela experiência da situação sobre a qual refletimos [por exemplo, a questão de casamentos de pessoas do mesmo sexo na igreja], depois discutindo as Escrituras [i.e., a Bíblia] mais em termos de sua totalidade do que de trechos isolados – as tradições “evangélicas” majoritárias no Brasil, entretanto, começam seu processo interpretativo pelas Escrituras, rejeitando [no caso específico da presença de pessoas gays na igreja] o papel da experiência nesse processo.

A posição teológica em minha tradição é, em parte, moldada pela presença de pessoas de orientação emociono-sexual gay no processo de discernimento da Escritura, enquanto que no caso das chamadas “igrejas evangélicas” essa presença está, na maioria das vezes, plenamente ausente. Entre os membros de minha igreja local, por exemplo, há indivíduos gays e lésbicas – inclusive no Ministério, no meu caso –, e suas famílias, o que faz com que nossa experiência como indivíduos e como fiéis, e a experiência de nossa comunidade conosco, seja parte integrante do processo de discernimento teológico. Aqueles de nós que têm relacionamentos românticos, por exemplo, encontram nos demais membros da comunidade testemunhas para sua vida – ou seja, em nossa comunidade de fé, um casal homossexual encontrará amigos que os tratarão com o mesmo respeito devido a um casal heterossexual. A vivência entre pessoas de diferentes experiências faz, consequentemente, com que elas se vejam de forma mais respeitosa, compreensiva e apreciativa. Como me disse um membro de minha comunidade de fé, após a celebração do casamento que citei anteriormente: “Como poderia ser contra a união de duas pessoas que conheço há tanto tempo e cujo amor vi crescer”. A experiência faz toda a diferença: a experiência dos indivíduos e a experiência de sua comunidade – é uma via de mão dupla!

A questão das relações entre pessoas do mesmo sexo não envolve apenas a questão de relações sexuais. O problema da incompreensão, em minha visão, vem em parte da desumanização da questão. Quando se fala em pessoas gays, por exemplo, utilizamos o infeliz termo “homossexual”, que em si parece trazer a miopia para o fato de que o lado sexual não é o único aspecto numa relação entre pessoas do mesmo sexo – há um lado emocional nessa questão, da mesma forma como quando falamos de pessoas utilizando o também infeliz termo “heterossexual”. Somos todos seres sexuais, mas esse não é o nosso único aspecto como pessoas – também somos pessoas que amamos, tememos, sofremos, nos alegramos, cremos, descremos, trabalhamos, aprendemos, desaprendemos, sorrimos, choramos etc [todos nós, “heterossexuais” ou “homossexuais”]. Em nossa experiência religiosa, por exemplo, todas as pessoas podem experienciar o mesmo Mistério Divino, e são chamadas ao serviço da mesma forma – independentemente de como se identificam, de quem amam e de por quem são amadas. Esse lado humano pleno – de ver “homossexuais” como pessoas que tem vidas familiares, profissionais (professores, médicos, pesquisadores, políticos, engenheiros, policiais etc, e não apenas como aquelas figuras estereotípicas as quais culturalmente somos acostumados), religiosas etc – entretanto, parece ser ignorado tanto pela mídia quanto pelo próprio chamado “movimento gay”, quando sexualizam o sentido de ser gay [é só ver a maneira como gays são comumente exibidos na mídia, ou pior, como “vendem sua imagem” nas chamadas “paradas” da diversidade] para a visão pública, o que consiste num infeliz equívoco constantemente repetido em nossa sociedade.

Em minha experiência, já está mais do que na hora de mudarem o foco quando abordarem teológica, política e culturalmente a realidade dos indivíduos gays e de suas famílias. Em nome do bom senso, olhem pare seus filhos e filhas, amigos e amigas, vizinhos e vizinhas. Somos muito mais do que insinuam as novelas televisivas, os discursos políticos ou certas pregações religiosas. Assim como a teologia cristã é muito mais ampla do que o discurso biblicista pode sugerir. É tudo uma questão de boa vontade para percebermos a variedade. Então, quando quiserem ter um diálogo teológico que inclua as vozes de pessoas como eu, quem sabe não estarei disposto a participar?!

+Gibson


iAs comunidades de fé que se formaram nas áreas de fronteira interiorana norte-americanas desenvolveram uma visão estrita sobre moralidade na qual certos hábitos sociais aceitos nos meios cristãos urbanos – a exemplo da bebida, do fumo, da dança, do jogo de cartas etc – foram vistos como pecaminosos. Essa visão foi trazida por missionários “evangélicos” advindos dessas tradições protestantes norte-americanas que, apesar de lá sempre terem sido minoritárias, aqui no Brasil sempre terem sido majoritárias – logo, a associação automática de Protestantismo, no Brasil, com essas injunções “morais”.

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