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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Politizando a fé ou cristianizando a política?

Este é mais um ano de eleições em nosso paraíso utópico. Mais um daqueles períodos que se repetem a cada dois anos, no qual teremos de escolher nossos supostos representantes políticos – que, neste ano de 2012, limitam-se à esfera municipal.

Este é um daqueles anos nos quais a face de “lobos” sociais – e sim, deem a essa expressão um sentido bem pejorativo! –, se revestirão duma áurea angelical, tentando fazer com que seus eleitores esqueçam-se da indiferença, incompetência, irrelevância, e mesmo traição, que caracterizaram seu tempo anterior na esfera pública (por eles “privatizada”!). Se isso não é verdade sobre todos aqueles que buscam reeleição, estou convencido de que seja verdade sobre a maioria deles.

Mesmo em muitas igrejas cristãs, esta se torna uma época na qual os sanguessugas do povo se escondem por trás duma máscara de devoção e fé, recitando com seus lábios corruptos e imorais os nomes de Deus, de Jesus, e versículos bíblicos, na imoral esperança de arrancarem os votos dos crédulos desesperançados. Isso me enoja e me enfurece!

Para um unitarista como eu, devoto defensor da absoluta separação entre Estado e Igreja, é vergonhoso que a fé cristã seja maliciosa e imoralmente “politizada”, ao mesmo tempo em que a política é também maliciosa, imoral e corruptamente “cristianizada”. Se é verdade que, individualmente (enquanto cidadãos), os cristãos levarão suas convicções teológicas consigo para a esfera de suas decisões políticas (o que é perfeitamente natural!), isso não significa rebaixar os valores e a linguagem do Evangelho ao discurso do jogo político no tabuleiro de xadrez dos atores do poder. E o mesmo vale na direção oposta: não se pode cuspir nos princípios constitucionais, impondo-se uma falsa interpretação da Liberdade e da Democracia apenas para agradar ao paladar religioso duma certa plateia. Considero isso imoral, além de uma traição dupla – uma desgraça ao espírito da cidadania (se é que isso existe no Brasil!) e um escárnio do espírito cristão (se é que isso existe na Igreja!).

Interessa-me, profundamente, a questão da politização da fé. O termo é problemático, já que a fé cristã per se é uma questão política, considerando-se que só se é cristão pleno em comunidade. Logo, argumentar contra a “politização” da fé cristã pode parecer uma grande contradição. Quando falo em “politização”, entretanto, utilizo esse termo com um sentido mais próximo daquele a ele dado em nossas conversas informais. Assim, politizar a fé seria transformá-la em instrumento para alcançar finalidades políticas (leia-se “politiqueiras”).

A história recente do cenário político brasileiro nos mostra aonde isso nos leva. Os “pastores” tais, os “irmãos” tais, que se aproveitam da incapacidade crítica de seus eleitores – e crítica não apenas no que tange à esfera civil, como também no que concerne à esfera teológica! – para conseguirem sequestrar seu voto, e deleitarem-se na imoralidade que tornou-se sinônimo da política nacional! Os corruptos pseudo-cristãos que formaram uma bancada imoral no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas estaduais, e nas câmaras municipais Brasil afora para defenderem não as causas de seus eleitores, mas as causas de seus interesses pessoais por poder e fortuna. É a “política gospel” brasileira, e ela me enoja!!!

Não pensem, contudo, que apenas cristãos fundamentalistas e conservadores, ou evangélicos semianalfabetos se engajam – mesmo que indiretamente – nesse tipo de empresa herética por meio de seus votos e/ou ativismo. Nós, cristãos liberais e moderados, constantemente cometemos erros semelhantes – mesmo que nossas intenções pareçam mais nobres (direitos iguais para cidadãos LGBTs e para mulheres, proteção do meio ambiente, etc).

Lembro-me, por exemplo, das discussões que tivemos para decidir se nossa congregação – enquanto instituição – apoiaria uma tradicional passeata organizada por entidades que se apresentam como representantes da comunidade LGBT em nossa cidade. Por eu ser abertamente gay para nossa comunidade de fé, alguns entre nós pensaram que me poria em favor de nossa participação. Aparentemente, não compreendiam o fato de eu apoiar a clássica compreensão unitarista de separação dos cenários religioso e político.

No contexto desse exemplo da “Parada da Diversidade”, aquelas entidades não estavam lá para defender ou apoiar as mesmas coisas que nós, como comunidade de fé, defendemos e apoiamos. Sim, nós pregamos a igualdade de direitos para todos os cidadãos. Sim, nós pregamos a tolerância e a apreciação àqueles que diferem de nós. Sim, nossa comunidade tem há anos celebrado a presença e plena participação de indivíduos LGBTs entre nós – e eu, melhor que ninguém, posso testificar disso. Mas nós, enquanto comunidade cristã, assim o fazemos por compreendermos que nossa fé nos conclama a isso: Cristo nos chama a amar e receber a absolutamente todos – é assim que nós unitaristas e outros cristãos liberais interpretamos nossa fé cristã. O que motiva eventos como a tal Parada não é isso; sua bandeira política não se encaixa perfeitamente com a bandeira teológica desta comunidade de fé enquanto instituição.

O mesmo se aplica a questões como movimentos de trabalhadores rurais, movimentos feministas, e movimentos ambientais. Mesmo que cada um desses pareça defender causas nobres – que, em muito se assemelham a alguns de nossos princípios teológicos –, suas motivações residem em algumas visões e anseios políticos que contradizem a essência da teologia de nossa comunidade de fé (novamente, enquanto instituição, já que, individualmente, somos livres para defendermos as ideias que quisermos). Por essa razão, julgo como sábia a decisão desta congregação de não se envolver institucionalmente em atividades explicitamente políticas como essas, apesar de sempre incentivá-los a, individualmente, serem cidadãos politicamente ativos e se engajarem nas causas políticas nas quais acreditam.

Creio que a melhor coisa que esta igreja pode fazer para ajudar o Brasil é continuar a ensinar a mensagem cristã como a compreendemos. Enquanto instituição religiosa, essa é nossa missão e nosso dever. A mensagem do Evangelho, como a compreendemos, juntamente com toda instrução secular possível, ensinará nossos filhos a serem bons vizinhos, amantes da Liberdade e da Democracia, cidadãos honrados que defenderão os direitos constitucionais democráticos e que cumprirão suas obrigações civis de acordo com os ditames de sua consciência individual. Essa é a melhor contribuição política que podemos fazer a este país e ao mundo. Não precisamos politizar nosso cristianismo, nem cristianizar nossa política.

Como o próprio Jesus supostamente ensinou: “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:17-21).


+Gibson
(Congregação Unitarista de Pernambuco – 27 de julho de 2012.)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um Manifesto de Esclarecimento


Tenho sido um ministro religioso há uma década. Como ministro ordenado de quatro diferentes denominações religiosas, meu orgulho tem sido o de poder afirmar que não faço de meu ministério sacerdotal uma carreira profissional. Sou um ministro não-estipendiário de minha paróquia – o que significa que não recebo pagamento pelos serviços sacerdotais que presto, e que, como todos os meus paroquianos, tenho de trabalhar para me sustentar. Apesar de minha excelente formação acadêmico-teológica, tenho de trabalhar fora da igreja para me sustentar – não aceitando um único centavo de minha comunidade de fé ou de nenhuma outra por nenhuma função ministerial, o que inclui, mas não se limita a: casamentos, rituais funerários, batismos, confirmações, ritos eucarísticos etc. Não exerço, nem tenho o interesse em exercer nenhuma função administrativa que me obrigue a lidar com fundos financeiros em nenhuma das três comunidades as quais presto meus serviços ministeriais/sacerdotais – nessas comunidades as funções administrativas são exercidas por um grupo distinto daqueles que exercem funções sacerdotais, logo, nunca tive de lidar com finanças em meu ministério (e, como afirmei antes, isso tem sido um motivo de orgulho para mim).

Imaginem minha surpresa, então, quando descobri hoje que CDs e apostilas de palestras minhas – palestras proferidas num contexto de meu ministério religioso – estavam sendo vendidos “por uma pequena oferta” de R$20,00!!! Nunca, em toda a história de minha vida sacerdotal/ministerial cobrei por palestras, cursos ou ofícios religiosos, e nunca vendi materiais relacionados a essas mesmas palestras, cursos ou ofícios religiosos. Os livros de temática religiosa que vendi e/ou vendo, no Brasil, foram/são feitos por meio de publicação on demand a preço de custo – e nunca lucrei com eles um único centavo, nem mesmo para cobrir as muitas horas dedicadas à sua composição! (E a razão para isso é a mesma que pauta minha missão sacerdotal/ministerial: sou ministro duma comunidade de fé, a qual ofereço-me voluntariamente!).

Minha infeliz descoberta deixou-me furioso e, acreditem, as devidas ações legais serão tomadas contra aqueles que se aproveitaram de minha boa-vontade! Novamente, eu, enquanto ministro religioso, não vendo nada, não cobro nada, não peço nem aceito contribuição de absolutamente ninguém. O que preciso e quero me chega por meio de meu esforço profissional – e não por meio da exploração da fé alheia. Igualmente, ninguém – absolutamente ninguém – está autorizado a cobrar nada em meu nome!

Atenciosamente,

Rev. Gibson da Costa
Ministro da Congregação Unitarista de Pernambuco/Igreja Cristã Livre de Recife/Church of the Disciples

sábado, 7 de julho de 2012

Deus falou comigo na Avenida Boa Viagem


Hoje cedo ouvi a voz de Deus:
Ela falou comigo na Avenida Boa Viagem.
Quando me viu,
me chamou de “gracinha”!
Coitada de Deus,
Ela parecia cansada,
mas sequer pensei em oferecê-la
água de coco!
Deus usava saltos altos,
e mini-saia colorida,
e acho que quando nasceu
chamaram-na de menino;
mas era muito bela,
duma maneira muito particular.
Me arrependo tanto de não lhe ter oferecido
um pouco de minha água de coco;
o que ela pensará de mim, agora,
quando rezar a ela
e pedi-la que me ouça?
Espero que sua graça feminina
possa fechar os olhos
para as grosserias e derrapagens
dum cara como eu.
Deus era tão grande,
fico pensando se ela tem problemas
para encontrar um emprego durante o dia
com aquela mini-saia!
Queria perguntá-la tanta coisa!
Espero que ela saiba que
sou um cara tímido quando
falo com alguém assim,
de surpresa!
Espero que ela esteja bem,
que ninguém a tenha maltratado esta noite!
Qualquer dia desses quero vê-la
novamente,
e, então, vou oferecê-la
um pouco de minha água de coco
e perguntá-la como foi sua noite de trabalho!
Será que Deus estará na Avenida Boa Viagem
novamente esta noite?

+Gibson

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sim, tenho minhas heroínas!


Não gosto de declarar publicamente que tenho meus heróis. É, é verdade: como todo ser humano, sinto aquela contagiante excitação diante dos ditos e feitos de alguns daqueles que compartilham minha condição humana! Na verdade, coleciono heróis, que vão desde mestres espirituais e músicos àquelas pessoas que brilham realizando atividades corriqueiras que não estão publicadas em páginas de livros impressos ou comentadas nos noticiários da televisão. Sim, eu coleciono heróis.

Neste quatro de julho, entretanto, penso nas minhas heroínas não-conformistas: aquelas freiras católico-romanas norte-americanas que desafiam o status quo político e eclesiástico, e sobre o que elas simbolizam para a história da Cristandade.

O que quero, na verdade, é saudar a coragem das mulheres que têm encontrado sua liberdade em uma vida de serviço – mesmo que esse serviço esteja materializado numa vida de oração e contemplação. A natureza dessa liberdade pode ser incompreensível para mim, pelo menos no caso daquelas que se isolam deste mundo exterior, mas o ativismo das “Freiras no Ônibus” oferecem uma visão da força feminina mesmo num universo onde não desempenhem uma liderança plena. Essas mulheres compensam a impossibilidade duma liderança normativa com uma liderança moral que deveria envergonhar aos homens (sim, aqueles seres humanos do sexo masculino!).

Pois é, tenho heroínas. Posso não concordar com suas motivações políticas – a base teórica que usam para seu ativismo político, isto é –, mas não seria íntegro se não reconhecesse seu vigor ético e seu exemplo moral. Elas me fazem pensar sobre um novo sentido para o termo “liberdade”.

+Gibson