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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Era Charles Darwin um Unitarista?

(Esta é uma resposta à Sandra, que me escreveu perguntando se Charles Darwin era realmente unitarista.)

Sandra,

Nem sempre é fácil responder a este tipo de questão, já que muitos Não-Conformistas ingleses – isto é, os membros das igrejas livres, como os unitaristas – mantinham ligações com a Igreja oficial para que pudessem ter acesso a certos “benefícios”, como a educação superior (o acesso às Universidades era uma realidade apenas aos anglicanos). O pai de Darwin – Robert Waring Darwin – era uma dessas pessoas, que provavelmente em decorrência de seu prestígio social, optou por batizar seus dois meninos (Charles e Erasmus), dentre seus seis filhos, como membros da Igreja da Inglaterra, apesar de sua herança estar enraizada no Unitarismo. Não há nenhum registro de Robert haver participado com sua família na igreja unitarista ou na paróquia anglicana local.

Apesar de haver sido batizado como membro da Igreja oficial (Paróquia de St. Chad), até a morte de sua mãe (Susannah), Charles e seus irmãos frequentaram a igreja unitarista local (a Capela Unitarista da High Street – hoje, chamada de Igreja Unitarista de Shrewsbury), tendo sido educado pelo Rev. George Case, ministro da mesma. (É importante enfatizar que Susannah era neta de Josiah Wedgwood, uma importante figura no Unitarismo britânico e um famoso abolicionista.) Após a morte de Susannah, Charles, então com oito anos de idade, foi para uma escola paroquial anglicana, e aí se inicia sua ligação com a Igreja da Inglaterra.

Registros mostram que Charles mantinha contato com muitos unitaristas, tendo, inclusive, sido assinante de publicações unitaristas americanas, durante os turbulentos anos que se seguiram à publicação de “Origem das Espécies”.

A situação de Darwin não é muito diferente daquela de muitos outros que viveram uma duplicidade eclesiástica. Eu mesmo sou um exemplo disso, um anglicano-unitarista.

Para saber mais:

DESMOND, Adrian; MOORE, James. A Causa Sagrada de Darwin: raça, escravidão e a busca pelas origens da humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2009.

KEYNES, Randal. Creation: The True Story of Charles Darwin. Nova York, EUA: Penguin Group, 2001. (em inglês)


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Novo Livro Em Breve...

Tenho sido um tanto lento em publicar aqui ultimamente, não por não mais acreditar na missão deste blog – sim, porque ele tem uma missão (é só dar uma olhada mais acima nesta página!) –, mas por estar ocupado com parte de  sua missão fora do mundo virtual: estou me dedicando a dois livros no momento, um sobre chamado religioso – este em inglês e em parceria com um velho companheiro de ministério –, e outro sobre o Unitarismo, que será de maior interesse para quem acompanha estas páginas – e, claro, este em português!

No livro sobre o Unitarismo – pense nele como um livreto introdutório – há, obviamente, um foco no Unitarismo enquanto tradição cristã liberal, entretanto, não deixo de tocar – mesmo que de forma breve, no movimento UUista, que tem se popularizado em tantas partes do mundo, incluindo o Brasil. História, teologia, e práticas unitaristas serão discutidas numa linguagem mais leve – pelo menos, tenho me esforçado para escapar do “teologuês” o quanto posso!

O público que tenho em mente é o mesmo público que lê estas páginas e que sempre me escreve perguntando sobre livros em português: aqueles que buscam um Cristianismo extravagantemente gracioso, radicalmente inclusivo, e inflexivelmente compassivo. É com essas pessoas em mente que tenho escrito.

Se alguém tiver sugestões sobre temas que gostariam que fossem tratados, ainda há tempo! Usem os comentários nesta página, ou me escrevam diretamente!

Grande abraço!

+Gibson




quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"Por que odeio religião, mas amo Jesus" - minha resposta ao excelente vídeo de Jefferson Bethke



E se eu te dissesse que Jesus veio para abolir a religião? E se eu te dissesse que votar nos republicanos não era realmente sua missão? E se eu te dissesse que “republicano” não significa automaticamente “cristão”? […] Quero dizer, se a religião é tão boa, porque ela iniciou tantas guerras? Por que ela constrói igrejas grandes, mas falha em alimentar os pobres? [...]

Sou um unitarista, logo, já sabem que não acredito que “Jesus tenha morrido para me salvar de meus pecados”. Sim, ele – ou melhor, as representações sobre ele pintadas pelos autores dos Evangelhos – é meu modelo de virtude. É meu Mestre. É meu farol em meio a toda essa confusão do mundo. As narrativas acerca de sua suposta vida e os relatos de suas supostas palavras guiam minha busca pelo Divino – que não é ele mesmo, mas que marca-o como seu “enviado”.

Se Jesus “salva-me”, essa “salvação”, em minha compreensão, ocorre por meio de seus ensinamentos e exemplos (mesmo que ele não tenha factualmente existido, ou que aquelas palavras e ações a ele atribuídas não sejam factuais), e não por meio duma morte expiatória – ideia que soa tremendamente ofensiva para minha sensibilidade espiritual (ou seja, para a maneira como interpreto o mundo e sua relação com o Divino). Também não acredito em exclusividade cristã: Jesus não é o único caminho para Deus. Se “Deus” é real, não precisamos de ponte para alcançá-lo(a) – mas podemos fazer uso de modelos ético-espirituais em nossa vivência da fé, e Jesus é o meu.

Apesar dessa diferença de compreensão, quando comparado ao pensamento expresso por Jefferson Bethke neste vídeo, não posso deixar de apreciar sua perspectiva ética. Não é à toa que este vídeo tem causado o rebuliço que criou nos EUA.

+Gibson

Fé e Ciência - realmente diferentes?

Numa discussão amigável com colegas na noite passada, mais uma vez deparei-me com a recorrente questão das distinções entre “religião” e “ciência”. Para os dois colegas com quem conversava – pessoas muito instruídas e de vasta cultura, devo enfatizar –, a distinção mais marcante entre as duas (religião e ciência) é que enquanto a religião opera por meio da fé, a ciência o faz por meio da razão; sendo, então, a diferença de métodos sua principal distinção. Simples assim! Nem um pouco diferente do que tenho ouvido da maioria das pessoas durante a maior parte de minha vida; em minha visão, uma explicação deveras simplista, equivocada, e discriminatória.

Aqueles meus dois amigos, um químico e uma bióloga, não se dão conta do quão falsa é sua ideia. Pensemos um pouco: a teologia cristã tradicional – que era o objeto de nossa discussão –, não opera apenas por meio de fé (com “fé” aqui tendo um sentido um tanto distinto do que habitualmente lhe atribuo, sendo, para eles, apenas um sinônimo de “assensus” → o que eles chamaram de “fé”, chamo de “teologia”), já que depende plenamente de argumentação, dedução e razão lógicas; um exemplo disso pode ser encontrado nas obras dos teólogos medievais, que eram obras-primas de análise lógica e argumentação racional.

Em nossa discussão ontem, nos centramos apenas no Cristianismo – já que foi algo que minha amiga ouvira que serviu para iniciar a conversa –, mas as maiores tradições religiosas do mundo, especialmente as que chamo de tradições jordânicas (Judaísmo, Cristianismo, e Islã, em suas mais variadas formas), são tradições intelectuais que envolvem a transmissão dum conhecimento específico e a crítica racional do mesmo (=Teologia → desta vez com “T” maiúsculo!).

Para facilitar, deixem-me explicar isso doutra maneira: TRADIÇÃO aqui refere-se à transmissão dum conhecimento (seja ele prático ou teórico) duma geração à outra; nesse sentido, tanto a ciência quanto a religião são tradições. As duas – ciência e religião – são tradições intelectuais, já que o que transmitem é uma forma de conhecimento que requer uma crítica racional. Enquanto a ciência busca a descoberta de novos conhecimentos, a religião busca a compreensão e consequente fidelidade a (e, dependendo do caso, a proclamação de) uma mensagem ou revelação já recebida.

Voltando ao exemplo dos teólogos medievais, poder-se-ia dizer que sua argumentação, apesar de racional, baseava-se ou estava limitada por certos aspectos da “fé” (assensus) religiosa. Entretanto, se pensarmos bem, veremos que a argumentação dita “científica” não se diferencia tanto assim daquela usada pela Teologia (mais uma vez, com “T” maiúsculo!). A ciência, como a conhecemos, incorpora um grande número de “afirmações de fé” simplesmente para que continue a funcionar. Enquanto a ciência supostamente emerge da evidência empírica, que é uma das características que a definem, ela também lança mão de muitas suposições implícitas: por exemplo, muitos cientistas naturais abraçam a “fé” de que estão estudando algo real, de que o mundo físico que estudam realmente existe, de que tem uma existência independente fora deles mesmos; outra suposição é a de que o mundo seja uniforme, que siga uma “lei” regular; uma outra, ainda, é a de que se pode confiar em nossos sentidos – ou seja, de que podemos confiar que estamos recebendo informações confiáveis, seja por meio de contato direto com o objeto estudado ou por meio de informações recolhidas por instrumentos, e que podemos confiar em nossa capacidade de interpretar essas informações corretamente. Todas essas são suposições que não podem ser comprovadas como verdades factuais; entretanto, sem elas, a ciência seria impossível. Elas possuem a mesma natureza da “fé” como compreendida por meus dois amigos: assensus.

O reconhecimento dessas suposições implícitas não diminui a importância ou sentido que atribuo à ciência, apenas demonstra que a base para nossas afirmações de conhecimento acerca de nossa realidade se encontra fora do domínio da razão. Isso, entretanto, não implica que seja irracional. Apenas demonstra que o exercício da razão humana tem seus limites, e que é moldado por suposições/crenças (“fé”, na linguagem de meus dois amigos) sobre as quais construímos nossas próprias representações do mundo.

+Gibson