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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Por que não ensinar o Criacionismo na escola?

O cenário era a apresentação dum seminário que tratava, entre outras coisas, sobre o multiculturalismo e o relativismo cultural. A professora, uma doutora em sociologia, numa aparente provocação acerca do papel do conhecimento científico na escola, questionou os alunos (eu incluído entre esses) por que razão se podia ensinar na escola sobre a teoria do Big Bang como explicação das origens de nosso cosmos e não o Criacionismo, levando-se em consideração que “não podíamos provar nenhum dos dois”.

Quando lançou aquela pergunta, alguns de meus colegas presentes na sala instintivamente olharam para mim, como se dissessem “ela te pegou!”. E eu, infelizmente, não pude responder sua “provocação” (?) na hora, já que estávamos no meio duma apresentação de seminário e dar-lhe uma resposta seria um desrespeito àqueles que apresentavam o seminário.

Entretanto, gostaria de dizer a meus colegas: Não, ela não “me pegou”. Ela caiu numa armadilha muito perigosa, mesmo que sua intenção fora apenas fazer uma provocação – o que, honestamente, espero ter sido o caso, apesar de não haver soado como só isso; em suas observações, ela soou como se ela realmente acreditasse no que disse (de que não há diferença entre ciência e mitologia).

Há uma grande diferença entre um mito religioso – que, devo esclarecer, não é sinônimo de mentira – e uma teoria científica. A teoria do Big Bang não é uma explicaçãozinha que nasceu como fruto duma política multiculturalista e relativista que diz que tudo é bom e válido (devo esclarecer que esta é minha provocação contra o que ouvi ontem!). Ela está baseada em leis que descrevem eficientemente os fenômenos naturais que podemos observar. Apesar de não podermos afirmar que nossas explicações científicas acerca de nossas origens estejam plenamente certas, elas são o melhor que temos até hoje.

A questão aqui é: qual o papel da escola? Os estudantes religiosos podem ouvir explicações religiosas em suas comunidades religiosas, ou, podem escolher frequentar uma escola religiosa. Os alunos duma escola pública, laica, têm de estar expostos às explicações científicas e laicas, já que sua escola é mantida por dinheiro público. Além disso, vejo a escola como uma ligação entre os alunos e sua herança cultural, o que inclui a ciência. O sistema escolar não exclui a religião, e, além disso, a Constituição Federal garante o pleno direito religioso no país – logo, não se pode sugerir que os religiosos não tenham a liberdade legal de buscarem explicações religiosas fora da escola (o que não foi o caso daquela professora). Se um aluno aprende ciências, são as teorias científicas que deve aprender e não explicações baseadas em mitos religiosos.

Outro problema causado pela (suposta) provocação da professora é a questão do uso do termo “teoria”. Em ciência, o termo teoria não tem o sentido dado-lhe em nossas conversas cotidianas – como quando alguém diz: “Teoricamente, você tinha de fazer isso” -; a teoria científica é um sistema explicativo da realidade, que envolve fatos que se correlacionam sob um mesmo modelo teórico, cujas predições se confirmam, dentro dos limites nos quais seus pressupostos podem ser aplicados. Apesar de, na ciência, não se supor ter uma explicação definitiva – já que as teorias estão sujeitas à revisão – é tolice querer equacionar os achados da ciência com as noções mitológicas que construímos como interpretação do mundo.

Só alguém que não conhece o que faz a ciência, nem entende o que intenciona a religião, além de não compreender o que se pretende na escola, nem saber o que significa “Criacionismo”, pensaria que tanto faz ensinar o Big Bang ou o Criacionismo (que não é a explicação bíblica, nem ortodoxa da Criação – é, antes, uma construção reacionária duma nova interpretação dos relatos bíblicos). Deus nos proteja dessas concepções!

+Gibson

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Deus, questões cosmológicas e uma visão otimista da realidade

Ouvi certa vez de um amigo, enquanto conversávamos sobre Deus e a origem do Universo, que eu era muito pessimista. Ele entendia que por eu abraçar uma visão científica da origem da vida e por não enfatizar uma crença no sobrenatural ou numa existência espiritual, minha visão seria “pessimista”. Bem, tenho de discordar de meu amigo.

Não tenho uma visão teísta sobrenatural-personalista, ou seja, não enxergo Deus necessariamente como um ser pessoal que controla o Universo e intervém de maneira “sobrenatural” na história. Creio em Deus. Com isso quero dizer, creio na Realidade de Deus. Creio firmemente que existo dentro de Deus, que minha realidade está contida na Realidade do Divino (Atos 17:28). Não vejo Deus necessariamente como uma pessoa, apesar de, algumas vezes, fazer uso dessa metáfora personalista tradicional. Penso que a metáfora dum Deus pessoal é útil para o desenvolvimento de certos aspectos de nossa espiritualidade (especialmente uma que esteja enraizada na tradição judaico-cristã).

O problema, para alguns, reside no fato de eu alegremente abraçar uma visão científica da origem de nosso Universo – e, consequentemente, de nossa própria origem. Pessoalmente, não vejo conflito entre as explicações e interpretações míticas oferecidas por nossas tradições religiosas e as outras explicações (também “míticas”?) oferecidas pela ciência moderna. Não vejo conflitos porque vejo nessas tradições narrativas o exercício de diferentes funções – funções essas que são moldadas pelas necessidades, compreensões e experiências de diferentes povos em diferentes tempos, lugares e circunstâncias.

A história de nosso Universo, que ainda não foi contada em todos os seus detalhes – e que, talvez, nunca será -, é fascinante. Vivemos num Universo que se expande numa velocidade incrível, e não apenas porque ele de fato se expande, mas também porque a nossa própria compreensão dele está num processo de expansão interminável: todos os dias descobrimos mais e mais a respeito da realidade que nos cerca e da qual somos parte, e, assim, reescrevemos nossa história cósmica.

Um Deus pessoal criou nosso Universo? Mas se esse Deus pessoal criador foi a origem de nosso Universo, onde ele estava antes de o Universo ser criado? Estava em outro Universo? Mas se estava em outro Universo, quem criou aquele outro Universo?...

O Big Bang foi a origem de nosso Universo como o conhecemos? Mas o que originou essa fuga cósmica primordial? O que deu origem àquele Universo denso e quente?... Não é que não existam explicações científicas convincentes para a origem do Universo, é só que tudo é tão difícil de entender para mentes tão limitadas temporal e espacialmente.

As duas explicações, a religiosa e a científica, exigem um amplo exercício de criatividade imaginativa para que as compreendamos. E essa é a graça de tudo.

Para alguém que acredita em Deus, e que busque uma resposta teológica, talvez a pergunta primordial seja: O quê é Deus, afinal de contas? E fazer-se esta pergunta, tentando ouvir as vozes de diferentes fontes (a tradição narrativa da religião e a da ciência), não torna alguém um “pessimista”, pelo contrário!

+Gibson

domingo, 22 de maio de 2011

A necessidade da ecclesia


Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles.” (Mateus 18:20)

Há algo que não podemos esquecer quando pensamos no Cristianismo: não existe a possibilidade de ser cristão isoladamente. Como cristãos, precisamos dum grupo que nos ajude a ouvir a voz de Deus. Essa comunidade é a igreja.

Quando converso com pessoas que buscam uma forma de ser cristão que não inclua o dogmatismo, a intolerância, o conservadorismo social, e o exclusivismo e fundamentalismo teológicos característicos do cristianismo (especialmente protestante) praticado em nosso país, constantemente dizem-me que não precisam duma “igreja” para estarem em comunhão com Deus. Por conta de suas experiências desastrosas com a religião organizada, muitas dessas pessoas constroem uma forma de espiritualidade demasiadamente individualista e, inconscientemente, perdem um dos sensos mais importantes da tradição cristã: o senso de ecclesia.

A tradição cristã afirma que para estarmos em comunhão com Deus, devemos estar em comunhão com nossos irmãos e irmãs em Cristo – o que, para mim, inclui não apenas os demais cristãos, mas toda a família humana.

Apesar de pessoalmente não compreender a Divindade como uma Trindade, no sentido dado a este termo pela ortodoxia cristã, creio que esta palavra indica o quanto a noção de comunidade é cara para a tradição cristã: até mesmo Deus é uma comunidade.

É importante enfatizar que a igreja é um grupo de pessoas, e não prédios, doutrinas ou cerimônias. A igreja é aquele conjunto de pessoas que, em um tempo e lugar particulares, estão dispostas a servir de testemunhas do amor de Deus e dos ensinamentos e exemplos de Jesus. Negar-se a ser parte da igreja é abrir mão disso.

A igreja precisa ser fortalecida por novas vozes, já que ela é uma encarnação da ideia cristã de sociedade. Como igreja, nós cristãos temos a oportunidade de pôr em prática aqueles ensinamentos de Jesus que nos moldam como seus seguidores. E só podemos fazer isso em comunidade. A comodidade do isolacionismo é um “luxo” (?) não disponível à vida cristã.

Com isso, entretanto, não quero dizer que não possamos ser parte duma igreja não convencional. O que conta, em minha opinião, é a comunidade (a ecclesia). Minha igreja poderia ser uma visita a um orfanato, a uma residência de idosos, a um hospital. Minha oração e meus sacramentos poderiam ser (devem ser) o serviço ao meu próximo. Quando condeno o individualismo, refiro-me especialmente àquele isolacionismo intelectualóide que se conforma com sentar-se em casa e criar interpretações religiosas pseudo-espirituais, não pondo em prática a religião de Jesus. Isso, para mim, não é cristianismo – é qualquer coisa que queira chamar, não cristianismo.

Como um ministro cristão, obviamente vejo a comunidade da igreja – a comunidade de fé, a ecclesia – como necessária. O que rezamos, o que fazemos, o que aprendemos, o que criamos, o que ensinamos, em comunidade é parte de ser igreja. Estar distante disso, isolado dessa comunidade, é privar-se de ser moldado pelo espírito cristão. Confio na promessa atribuída a Jesus: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles”. Certamente podemos interpretar de diferentes maneiras o que Jesus quis dizer com “estiverem reunidos em meu nome”, mas seja lá qual for o sentido que dermos à expressão, ela certamente se refere a uma comunidade de pessoas, e não a um indivíduo que voluntariamente escolha o isolamento.

+Gibson

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Todos são iguais perante a Lei

"TODOS são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à IGUALDADE, à segurança e à propriedade..." (Constituição Federal, Art. 5º)

Sempre admirei estas palavras presentes na Constituição Federal, apesar de, em minha opinião, elas não serem postas em prática para com os cidadãos não-heterossexuais - bem, pelo menos até a última quinta-feira (5 de maio de 2011).

Numa decisão já esperada, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão favorável às uniões homoafetivas – uniões entre casais do mesmo sexo -, estendendo a esses cidadãos uma lista de 111 direitos até então só disponíveis a casais heterossexuais.

A oposição feita por grupos religiosos a essa decisão é clara. Tenho ouvido comentários extremamente reacionários e delirantes sobre essa decisão do Supremo. Esses opositores da decisão do STF, entretanto, não conseguem enxergar o que há de mais óbvio a respeito do tema: trata-se duma questão relativa a direitos civis de cidadãos que pagam impostos e cumprem suas obrigações constitucionais, e não um ataque a quem quer que seja.

A comunidade unitarista recebe a decisão do STF com muita alegria. A decisão segue um caminho já percorrido por nossa comunidade religiosa - caminho este que valoriza e honra o ser humano, apesar das diferenças existentes entre nós. Pessoalmente, espero que os direitos e as obrigações a serem estendidos a casais homoafetivos sejam, de fato, iguais aos direitos e deveres de todos os outros casais; ess é um pequeno passo para, um dia, alcançarmos uma sociedade realmente justa em suas entranhas jurídicas e, quiçá, em suas relações sociais.

+Gibson

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Minha Resposta à Morte de Osama bin Laden

Como todos vocês, fui surpreendido pelo anúncio da morte de Osama bin Laden, no último domingo; e, como alguns de vocês, fui tomado por um sentimento de reflexão quanto ao significado do acontecimento. Como alguém que teve uma relação muito próxima com pessoas atingidas pelo horror perpetrado por terroristas malucos, imagino o que muitas dessas pessoas possam estar sentindo agora.

Como um cristão comprometido com o “espírito de Jesus” (o que chamo de “sola caritas”), seu ensinamento de amor e perdão, choco-me com as manifestações pseudopatrióticas de alguns de meus irmãos norte-americanos (apesar de compreender o que leva-lhes a agirem como agem). Como cristão, imagino a voz do rabino galileu ensinando seus seguidores a amarem seus inimigos, apesar de, como ser humano, saber o quão difícil é por isso em prática. É só pensar nas figuras vivas em nosso imaginário coletivo (Adolf Hitler, Wellington Menezes de Oliveira, o próprio Osama bin Laden, e tantos outros e outras), e tentar lembrar que Jesus se referia a pessoas como eles, a pessoas que fizeram o que eles fizeram – pois “amar”, na tradição dos evangelhos cristãos, não tem o sentido novelesco ou hollywoodiano: amar era, e é, um exercício complexo e trabalhoso, uma missão.

Como ser humano, e como cristão unitarista, não celebro a morte (o assassinato) de nenhum outro ser humano. Não importa o quão horrendas tenham sido as ações perpetradas por essa pessoa. Como unitarista, acredito no valor e dignidade de cada um dos seres humanos sobre a terra, não importando se não vejam os outros seres humanos dessa mesma forma. Logo, o que foi feito a Osama bin Laden é uma tragédia patética e uma sabotagem dos valores que nós ocidentais dizemos defender. É uma afronta aos valores liberais – em seu sentido político e religioso. É uma afronta ao Direito Internacional, e uma afronta aos ideais presentes na Constituição dos Estados Unidos.

Os brasileiros e nacionais de outros países, que não os Estados Unidos, podem pensar que Osama bin Laden não é seu problema. Estão enganados. Quando os Estados Unidos foram atacados, a lógica das ações dos terroristas era a de se manifestarem contra a ideia de mundo que o “Ocidente” (uma construção ideológica) representava. Obviamente, seu alvo principal era os Estados Unidos; mas as ideias que atacavam eram as ideias do mundo ocidental – liberdades política, ideológica, religiosa, financeira; diversidades sexual, cultural, religiosa, identitária, etc. Logo, todo o “Ocidente” foi juntamente atacado. Se não fora este o caso, por que não atacaram apenas Washington? Por que Nova York, a chamada “capital do mundo” e sede das Nações Unidas? Na realidade, suas ações foram um ataque à humanidade (uma outra construção ideológica) – como conjuntamente a definimos em documentos aceitos pela maioria dos países membros das Nações Unidas.

Pensando nas ações desses terroristas, somos impulsivamente levados a esquecer dos próprios princípios que levaram à sua repulsa pelo ideário ocidental e que nós dizemos defender. Um desses princípios é o de que os seres humanos têm direito a um julgamento justo (em termos do processo), têm o direito a se defenderem e mesmo o “direito” a pagarem por seus crimes de forma não arbitrária. Terroristas como Bin Laden e os membros de seu clube negam aos demais seres humanos esses direitos, mas, apesar disso, os princípios pelos quais dizemos viver afirmam que eles têm esses direitos (independentemente de suas ações). Quando agentes americanos invadem um país e matam a Bin Laden arbitrariamente, estão cuspindo nos princípios de nossas noções do que seja civilização e humanidade (princípios defendidos pela Constituição americana e que, supostamente, guiam as operações desses agentes), além de estarem zombando da memória das vítimas do 11 de setembro e de tantos outros episódios drásticos. A memória das vítimas de Bin Laden, assim como a memória da fundação de nossa noção de humanidade e civilização, seria(m) honrada(s) se ele tivesse sido levado a um tribunal e julgado por seus crimes, e aí, então, tivesse pago o preço pelo que fez.

É nisso que acredito, como humano e como um cristão unitarista.

+Gibson