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sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal!

Esta é aquela data especial do calendário cristão. Nossas mentes se voltam para o início da narrativa cristã, o início da vida de nosso Mestre, o rabino galileu, Jesus de Nazaré. Talvez compreendamos o significado desta data de diferentes maneiras, mas a verdade é que ela simboliza algo de extrema importância para todos os cristãos: o Divino adentra nossa realidade recorrentemente. Na Encarnação, o Divino adentrou este mundo através de Jesus; no dia a dia, o Divino invade a realidade objetiva por meio de nossa ação no mundo, já que quando amamos, manifestamos a realidade de Deus no mundo.


Minha oração é que todos nós possamos ser esse meio para a contínua manifestação do Divino na vida de outros seres humanos, independentemente de qualquer coisa. Que a metáfora natalina possa contagiar nossas vidas diárias durante todos os outros dias do ano. Feliz Natal para todos! Bençãos!

+Gibson

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Minha duplicidade identitária e o espírito do Advento

Esta é a época do ano na qual mais tenho de lidar com as dificuldades em minha multiplicidade de identidades religiosas. Vivo num terreno nem sempre muito confortável de contínuas escolhas que, para outras pessoas – alheias a meu universo cultural –, podem parecer problemáticas. Como explicar a essas pessoas que sou um judeu e um cristão ao mesmo tempo? Adentremos a confusão!

Em primeiro lugar, devo enfatizar que não sou nem um judeu nem um cristão tradicionais. Também não sou um “messiânico”. Não sou um judeu que acredita que Jesus de Nazaré seja o Maschiah – o Messias de Israel. Também não sou um cristão judaizante! E, obviamente, não sou um trinitarista – ou seja, não acredito que o homem Jesus de Nazaré (se, de fato, foi um personagem histórico – o que acredito positivamente) fosse divino, no sentido de ser “um” em essência com Deus. Também não sou um teísta sobrenaturalista – não acredito num Deus pessoal que reja o Universo de algum ponto da realidade.

Sou um judeu étnico, herdeiro da tradição Reconstrucionista, e que, como tal, enxerga o Judaísmo como uma civilização religiosa da qual sou parte – e da qual, até certo ponto, escolho ser parte. Essa civilização é, metaforicamente, meu “direito de nascença” e escolho abraçá-la de forma que faça sentido para mim. Logo, vejo o Judaísmo, primariamente, como a (principal?) janela intelectual através da qual vejo o mundo e dou sentido à minha existência.

Ao mesmo tempo, também me considero um cristão, e pelas mesmas razões. Como filho duma família multireligiosa, vejo a tradição cristã que herdei – a tradição Unitarista Anglicana – como a janela religiosa através da qual enxergo representações do divino, filtradas por minha janela intelectual. É um casamento perfeito para mim.

Essa duplicidade cultural – que a maioria dos judeus veriam como assimilação, e a maioria dos cristãos como heresia – é parte de quem sou, e é algo do qual não me envergonho. Essa é, até certo ponto, a experiência de muitos outros judeus e unitaristas no mundo ocidental. Diferentes famílias se juntam, trazendo para a nova que se forma duas diferentes tradições religiosas, e o que resulta disso?... Bem, em minha experiência, uma fidelidade àquilo que é comum a ambas tradições, e uma rejeição daquilo que as separa. Como o Reconstrucionismo (o meu lado judaico) e o Unitarismo (o meu lado cristão) têm tantos pontos comuns, essa ponte não é tão complicada assim de ser construída.

A aparente confusão que se configura – especialmente para os brasileiros, que não estão acostumados a esse tipo de duplicidade identitária, tão comum na América do Norte – torna-se ainda mais escandalosa quando ouso dizer que gosto de pensar em mim mesmo como religiosamente cristão, cultural e intelectualmente judeu, eticamente humanista, e politicamente secularista, além de simpático às espiritualidades budista e muçulmana. Nada mais unitarista que isso!

E agora, ao adentrarmos o Advento, uma dificuldade caracteristicamente minha se apresenta. O que faz um ministro unitarista, que se apoia sobre um território de dupla fidelidade cultural-religiosa, para proclamar o espírito do Advento? Minha resposta: proclama aquilo que, oxalá, caracteriza a todos nós... a humanidade. O espírito que o Advento traz à minha espiritualidade é a de reafirmar a condição de humanos de todos nós – mesmo que para isso, faça uso duma linguagem metafórica acerca da “encarnação” do divino em um homem de Nazaré há dois milênios atrás. Todos nós somos seres humanos – seja lá o que isso queira dizer – e partilhamos o mesmo mundo, devendo, assim, encontrarmos formas de vivermos juntos neste mundo, em paz. Deus – essa metáfora criada por nós para nos referirmos àquilo que não podemos compreender plenamente acerca de nós mesmos e dos mistérios do cosmo – torna-se durante esta época do calendário cristão o canal através do qual damos nome à nossa esperança de convívio pacífico entre nós. Para mim, o nome mais apropriado deveria ser “humanidade”!

Rev. Gibson da Costa

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Música Pop é uma Inutilidade?!

Muitos podem pensar que seja inútil refletir acerca da música pop – uso o termo mais no sentido de música comercial do que num estilo específico –, e, assim, podem pensar que o tempo que tenho gasto escrevendo e discutindo o papel da música como instrumento de busca espiritual seja extravagância. Entretanto, como teólogo, tenho aprendido que refletir sobre o mundo que nos cerca é algo que pavimenta o caminho para descobrirmos um pouco mais acerca de nós mesmos e de nossas crenças e práticas religiosas/espirituais, e nada mais ostensivamente parte de nosso mundo do que a música que embala nossas imaginações e corpos e dá forma às ideias que habitam nossas mentes.

Alguns podem pensar que não podemos falar em música pop sem nos referirmos aos interesses comerciais que manipulam a criatividade mecânica de alguns artistas e empresas apenas interessados em lucros. Esses esperam que quando falo sobre música, utilize termos como “capitalismo”, “burgueses”, “manipulação”, “alienação” etc. Para esses, os consumidores da cultura pop – música, cinema, literatura etc – são, na verdade, seres alienados que injetam-se com a droga do mercado. Pode ser que parte disso seja verdade – mas, para mim, os seres humanos são mais racionais que isso. O que consumimos musicalmente tem uma grande relação com nossas necessidades e anseios mais profundos – necessidades e anseios esses que considero “espirituais” (não num sentido usual do termo). “Espirituais” porque se relacionam com uma dimensão mais profunda de nossa personalidade; porque interligam nossa visão do mundo objetivo aos sentimentos mais profundos que moldam nossa existência enquanto humanos.

Não acredito que seja o único a viajar no tempo enquanto ouço uma canção. Ouvimos uma canção especial e ela parece nos levar a uma outra dimensão da realidade – talvez um sentimento semelhante ao que certas pessoas têm ao utilizarem alguma droga, não sei. Às vezes, as letras parecem um conjunto de palavras vazias e sem sentido, mas, na verdade, elas podem revelar muito mais sobre quem somos hoje, ou sobre quem fomos ontem, e sobre as esperanças que temos para o futuro enquanto sociedade. Por essa razão, não sou tão rápido em descartar a cultura pop – a música em particular – tão rapidamente. Meu estudo pessoal da música pop num contexto mais amplo – fazendo uso de História, Psicologia, Antropologia, Linguística, Literatura e Teologia – tem me ensinado muito sobre nós, e não estou disposto a parar só porque alguns não levam isso à sério!

+Gibson

Os artigos de fé do século XXI - Julian Baggini


Julian Baggini, um filósofo britânico, autor de muitos livros sobre filosofia para o público geral, e que escreve para o The Guardian, publicou um artigo no último dia 21 de novembro no qual articula quatro artigos de fé apropriados para o século XXI – artigos que, devo enfatizar, são muito compatíveis como nossa tradição religiosa liberal (em suas mais variadas formas, não apenas o unitarismo)!

Abaixo eis a tradução apenas de seus artigos de fé – e não de todo o artigo do jornal, que se encontra aqui: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/belief/2011/nov/21/articles-of-21st-century-faith?INTCMP=SRCH


“Preâmbulo: Reconhecemos que a religião se apresenta em muitas formas e que, portanto, qualquer tentativa de definir o que a religião “realmente” é seria uma estipulação, e não uma descrição. Todavia, temos uma opinião sobre o que a religião deveria ser, em sua melhor forma, e estes quatro artigos descrevem aspectos que uma religião apropriada para o mundo contemporâneo precisa ter. Esses aspectos não devem ser encarados como completos e eles também não capturam necessariamente o que é mais importante para um dado indivíduo. São, na verdade, um conjunto mínimo de aspectos sobre os quais podemos concordar, independentemente de nossas diferenças, e cremos que outros podem com eles concordar também.

  1. Ser religioso é, basicamente, concordar com um conjunto de valores, e/ou praticar uma forma de vida, e/ou pertencer a uma comunidade que compartilha desses valores e/ou práticas. Quaisquer credos ou alegações factuais associados a essas coisas, especialmente aquelas sobre a natureza e origem do universo natural, são, no máximo, secundárias e frequentemente irrelevantes.
  2. A crença religiosa não exige, e não deveria exigir, a crença de que quaisquer eventos sobrenaturais tenham acontecido aqui na Terra, incluindo milagres que dobrem ou quebrem as leis naturais, a ressurreição dos mortos, ou visitas de deuses ou mensageiros angélicos.
  3. Religiões não são cripto- ou proto-ciências. Elas não deveriam fazer nenhum alegação sobre a natureza física, a origem ou estrutura do universo natural. Aquilo que a ciência pode estudar e explicar empiricamente deve ser deixado para a ciência, e se uma religião faz uma alegação que seja incompatível com nossa melhor ciência, a explicação científica, e não a religiosa, deve prevalecer.
  4. Textos religiosos são a criação do intelecto e imaginação humanos. Nenhum deles deve ser tomado como se expressasse os pensamentos de uma mente divina ou sobrenatural que exista independentemente da humanidade.”


Julian Baggini

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Espiritismo e Reencarnação - uma resposta à Sarah

Sarah,

ofereço aqui, em separado, uma resposta às perguntas que você fez em: http://cristianismoprogressista.blogspot.com/2011/10/deus-e-o-sofrimento-humano.html - Aqui responderei suas questões acerca do Espiritismo apenas. Esclareço que quando falo em “espiritismo” aqui, refiro-me à tradição chamada de “kardecista”.

Não gosto de tratar sobre questões como “reencarnação” ou “espiritismo” aqui, já que não as considero como temas tradicionalmente cristãos. A noção de reencarnação, e as ideias a ela atreladas, tais como ensinadas pelo Espiritismo (kardecista, isto é) não é ensinado pela maioria das diferentes tradições teológicas cristãs ocidentais ou orientais, não estão explicitamente expressas na Bíblia (para aqueles que precisam duma confirmação bíblica para construir sua teologia pessoal – o que me parece razoável em se tratando de tradição cristã), e não fazem parte das discussões teológicas cristãs protestantes. (Por que cito tradições teológicas protestantes? Pelo simples fato de eu ser um protestante – mesmo que liberal – e, logicamente, preocupar-me com temas que circulam em minha própria tradição.)

Devo deixar bem claro que, como um unitarista – um cristão protestante liberal – não julgo aqui a natureza da identidade religiosa da tradição espírita, ou seja, se os espíritas consideram-se como cristãos, eles são cristãos para mim. Não poderia negar que também sejam discípulos de Jesus, apesar de compreenderem-no duma maneira diferente da maioria dos outros cristãos – exatamente como ocorre comigo como um unitarista, que também compreendo Jesus duma maneira diferente daquela compreensão da maioria dos outros cristãos. O que direi aqui refere-se à minha própria compreensão do tema, e não a uma visão de como outros unitaristas pensam. Minha visão, devo enfatizar, é a percepção duma pessoa de fora, que não partilha das mesmas ideias defendidas pelos espíritas no que tange à “espiritualidade” (a relação de “espíritos” com este mundo, reencarnação etc). E mesmo minha compreensão das doutrinas espíritas são limitadas, já que não são uma área de interesse para mim, em minhas discussões teológicas etc. O que conheço sobre essa tradição é ou através de minhas leituras, ou através dos exemplos dados pelos espíritas que conheço – que, na maioria das vezes exibem um espírito cristão exemplar.

Para responder à sua pergunta, cito um trecho do Livro dos Espíritos, de Allan Kardec:

“Deus sabe esperar: não apressa a expiação. Entretanto, Deus pode impor uma existência a um Espírito, quando este, por sua inferioridade ou sua má vontade, não está apto a compreender o que poderia ser-lhe mais salutar e quando vê que essa existência pode servir à sua purificação e adiantamento, ao mesmo tempo que encontra nela uma expiação.”
[…]
“Ele [o espírito] escolhe as [provas] que podem ser para ele uma expiação, segundo a natureza de suas faltas, e o faça avançar mais rapidamente. Alguns se impõem uma vida de misérias e privações para tentar suportá-la com coragem. Outros querem se experimentar nas tentações da fortuna e do poder, bem mais perigosas pelo abuso e mau uso que delas se pode fazer, e pelas más paixões que desenvolvem. Outros, enfim, querem experimentar-se pelas lutas que devem sustentar ao contato do vício.” (KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP: Instituto de Difusão Espírita, 2002. p. 147.)

Independentemente de as condições da reencarnação se darem por escolha do “espírito” em questão ou por escolha divina, há um sério problema teológico para mim com esta noção. O problema aqui não é a noção de “reencarnação” per se, mas a noção de “expiação”. Pode parecer muito sofisticado, muito justo, eliminar a noção duma expiação efetuada por um Salvador – como aquela na qual creem a maioria dos cristãos protestantes, católicos e ortodoxos, na qual Jesus, o inocente, paga (i.e., expia) pelos pecados dos culpados – em favor de uma, que se constitui num processo, efetuada pelo próprio culpado. Entretanto, eu, não julgo a noção de expiação como necessária, nem muito menos coerente com minha visão de Deus, de justiça, de amor, de eternidade, de vida etc. A noção – ou melhor, o dogma espírita – de reencarnação baseia-se numa série de premissas extremamente problemáticas para mim; para aceitar tal visão, eu teria de aceitar a noção espírita de Deus, de espírito, de verdade, de justiça, de eternidade etc, que contradizem as minhas próprias crenças pessoais sobre esses temas. É, na verdade, uma visão de universo irreconciliável com a minha própria. Em se tratando deste tema, o espiritismo é muito dogmático, já que acorrenta-se a uma noção sem a qual todo o seu edifício teológico desaba.

Nesse sentido, mantenho o que disse anteriormente sobre o dogma da “reencarnação”, no texto no qual essa nossa conversa se iniciou. A ideia pode servir de conforto para muitas pessoas – e eu respeito isso profundamente –, penso que se ela tem o poder de fazê-lo, cumpre uma função e, por isso mesmo, continuará a existir. Entretanto, para mim, ela é ainda mais problemática do que o dogma da expiação de Cristo, pois em si mesma carrega uma noção de justiça e de Deus que eu não aceitaria intelectual nem religiosamente. Mas, novamente, se essa é uma ideia que faz sentido para outras pessoas, os respeito por isso, mesmo que discorde deles.

Espero poder ter respondido parte de suas dúvidas. Separadamente, depois responderei suas outras questões.

Grande abraço! Paz!

+Gibson

domingo, 23 de outubro de 2011

Deus e o sofrimento humano

Sempre fico muito aborrecido quando ouço pessoas – pessoas que creio estarem sinceramente muito bem intencionadas – insinuarem ou dizerem a outras que há um propósito para o sofrimento pelo qual passam, que Deus faz uso da dor para ensinar-nos alguma lição cósmica.

Para algumas dessas pessoas, tudo na vida acontece por uma razão espiritual. Para elas, Deus utiliza a dor e o sofrimento para tornar-nos pessoas melhores e mais elevadas espiritualmente. Elas acreditam que Deus faz uso das guerras, da violência, da tortura, da fome, dos desastres naturais para trazer-nos de volta aos “seus caminhos”.

Minha resposta, obviamente, tem sempre sido a de que não posso acreditar num Deus que utilize violência, tortura, e assassinato de seres humanos para ensinar-nos qualquer lição que seja. Não posso aceitar um plano divino que inclua estupro, homicídio, e tragédias, por exemplo. Essas pessoas me dizem que todos nós aprendemos com essas experiências e, logo, não podemos negar que tenham um sentido. Minha resposta a isso é que algumas pessoas realmente conseguem extrair algum aprendizado de situações trágicas como essas, mas outras (talvez a maioria) são destruídas e definham por dentro, nunca se recuperando.

Enquanto posso aceitar que crescemos e aprendemos com o sofrimento e com a dor, não posso aceitar uma religião que ensine que essa é a razão pela qual sofremos na vida. O grande problema com esse pensamento é que se tudo que ocorre tem uma razão de ser, então não há nada bom nem mau, e tudo é moralmente neutro. Não posso aceitar que a violência cometida contra uma pessoa ou contra um povo seja útil nem, especialmente, que seja o plano de um Deus inteligente e benevolente.

A coisa mais patética a respeito dessa forma de pensar é que ela culpa a vítima pelo que lhe ocorreu. A vítima da tragédia é culpada porque se ela tivesse sido mais inteligente, teria aprendido a vontade divina antes, e não precisaria passar por aquilo!

Às vezes, alguns aparecem com uma visão que parece ser mais sofisticada, dizendo que a razão para passarmos por sofrimento aqui é porque devemos ter feito algo errado numa vida passada. Esse pensamento os ajuda a manterem a ideia de que o mundo é justo e perfeito. Eu, entretanto, não acredito que o mundo seja justo nem perfeito. Desastres naturais acontecem. Pessoas boas adoecem e morrem.

Desastres naturais acontecem, por exemplo, porque é desta forma que o universo físico está estruturado, e não porque as pessoas que morreram nesses desastres mereciam morrer dessa forma, ou porque as pessoas que ficaram precisavam aprender uma lição. Pessoas morrem em decorrência de doenças porque nossos corpos físicos são mortais, limitados, e eventualmente desfalecerão, morrerão, e se desfarão em pó, e não porque seja um plano de Deus para ensinar aos sobreviventes uma lição. Eu não posso aceitar um Deus que ensine lições por meio do assassínio de crianças e adultos. Não posso apreciar uma religião que ensine ideias horríveis como essas.

Ao conversar com pessoas que acreditam nessas coisas, tenho o desejo de ajudá-las a abrirem suas mentes e tentarem enxergar um metro à sua frente. E oro para que usem o intelecto e a liberdade com os quais foram abençoadas para sonharem, viverem, sofrerem e mesmo morrerem de maneira mais digna.

+ Gibson

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Meu encontro com o Divino

Muitos falam como se Deus devesse ser buscado em milagres espetaculares que abalam o mundo. Eu, entretanto, encontrei-o no sorriso duma criança no parque, no vento que derruba as folhas secas das árvores, na música que envolve-me com sua melodia inebriante. Não, não que Deus não possa ser encontrado em milagres, ele certamente o é. No milagre da alegria diante das coisas mais simples e comuns da vida. No milagre do êxtase que toma conta de dois amantes em seu momento mais íntimo. No milagre do raciocínio que nos leva a fazer o bem em nossas vidas diárias. No milagre do sentir-se encantado pela própria vida. Lá encontrei o milagre. Lá encontrei o Divino!

domingo, 4 de setembro de 2011

Leituras de Hoje - Lecionário Comum Revisado

Próprio 18 (23) - 4 de setembro de 2011


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  • Primeira Leitura e Salmo
    • Êxodo 12:1-14 (ou Ezequiel 33:7-11)
    • Salmo 149 (ou Salmo 119: 33-40)

  • Segunda Leitura
    • Romanos 13:8-14

  • Evangelho
    • Mateus 18:15-20

O Credo de Theophilus Lindsey


Há UM DEUS, uma única pessoa que é Deus, o único Criador e Senhor Soberano de todas as coisas.

O santo Jesus foi um homem da nação judaica, o servo desse Deus, altamente honrado e distinguido por ele.

O Espírito, ou Espírito Santo, não era uma pessoa ou ser inteligente, mas apenas o extraordinário poder ou dom de Deus, primeiro para nosso próprio Senhor Jesus Cristo em sua vida, e depois para os Apóstolos e muitos dos primeiros cristãos, para capacitá-los a pregar e propagar o Evangelho com sucesso.

Esse Credo é estritamente unitarista, ou o que seria chamado de sociniano. Nele não encontramos a ideia ariana da pré-existência da alma humana de Cristo, ou que ele originalmente possuísse uma natureza superangélica; ou que seus sofrimentos e morte fossem de alguma maneira considerados como propiciatórios, ou que honras divinas lhe fossem devidas. Tradicionalmente, o cristianismo unitarista anglófono rejeita essas visões como absurdas e afirma a simples humanidade de Jesus.

*O sacerdote anglicano Rev. Theophilus Lindsey (20 de junho de 1723 – 3 de novembro de 1808) foi o fundador da primeira igreja explicitamente unitarista da Inglaterra (em 1774).

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A ciência não explica a origem da vida e do Universo?

(A seguinte é minha resposta à provocação de um participante num grupo de discussões sobre religião onde afirmou que a ciência não explica a origem da vida e do Universo.)

Tanto a ciência quanto a religião foram, e têm sido, muito bem sucedidas em explicar a origem da vida e do Universo. Tudo depende da pergunta que é feita. Há perguntas acerca de nossa origem que só podem ser respondidas pela ciência; por outro lado, há outras que só podem ser respondidas pela linguagem metafórica do mito religioso.

As respostas científicas podem parecer frustrantes para alguns porque elas nos deslocam do solo seguro dos mitos nos quais estamos todos culturalmente envoltos. A ciência nos diz que houve um princípio que pode ser localizado no tempo – nisso ela não se distingue tanto assim das narrativas religiosas, especialmente das tradições jordânicas (o judaísmo, o cristianismo, o islã etc). Ela nos diz, entretanto, que o que chamamos de “criação” ainda não está acabada. A criação continua, já que a vida está evoluindo e o próprio Universo está evoluindo por meio de sua expansão, por meio da morte e surgimento de outros astros.

Sim, é verdade que a ciência pode ainda não ter conseguido “detectar” algumas de suas suposições, mas você não pode esquecer que a ciência trabalha com um outro conceito de “verdade”, bem diferente daquele aceito por algumas tradições religiosas (não todas!). A verdade científica – a teoria científica – dura até que haja evidência contraditória, não importando quanto tempo leve para que essa evidência venha à tona; e além disso, a verdade científica está sempre aberta a ser questionada.

Uma sugestão que posso fazer é que você leia os seguintes livros para entender um pouco mais sobre a origem do Universo de acordo com as teorias científicas, juntamente com discussões sobre o papel das narrativas religiosas na construção de nossos entendimentos cosmológicos contemporâneos:

ABRAMS, Nancy Ellen; PRIMACK, Joel R. Panorama Visto do Centro do Universo: a descoberta de nosso extraordinário lugar no cosmos. Tradução Maria Guimarães. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

GLEISER, Marcelo. A Dança do Universo: dos mitos de criação ao Big Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

________________. Criação Imperfeita: cosmo, vida e o código oculto da natureza. Rio de Janeiro: Record, 2010.

POTTER, Christopher. Você Está Aqui: Uma história portátil do Universo. Tradução Cláudia Carina. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

domingo, 7 de agosto de 2011

Leituras de Hoje - Lecionário Comum Revisado


Próprio 14 (19) – 7 de agosto de 2011
  • Primeira Leitura e Salmo:
    • Gênesis 37:1-4, 12-28
    • Salmo 105: 1-6, 16-22, 45b
  • Ou:
    • 1 Reis 19:9-18
    • Salmo 85:8-13

  • Segunda Leitura:
    • Romanos 10:5-15

  • Evangelho:
    • Mateus 14:22-33

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Os unitaristas em Recife


O Unitarismo iniciou sua história no Brasil ainda no século XIX, com os primeiros unitaristas tendo chegado à cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império, na década de 1820. Os primeiros unitaristas aqui estavam ligados a igrejas congregacionais, e reuniam-se em casas sem identificação exterior de local de culto.

Desde fins do século XIX, seis famílias unitaristas americanas viviam na cidade do Recife, onde, em suas casas, se reuniam semanalmente para adoração sob a liderança do missionário Rev. Hill.

A primeira igreja identificada como unitarista foi fundada em Recife em 6 de abril de 1933, pelo Rev. George Phelps - a Igreja Unitarista do Recife -, sendo composta por doze famílias unitaristas americanas e um grupo de quacres hicksitas. A Igreja Unitarista do Recife desenvolveu uma mistura muito particular de unitarismo anglicano (como é conhecida nossa tradição litúrgica high church) influenciado pelo pensamento quacre hicksita, que continua a ser a tradição da maior parte dos membros da Congregação Unitarista de Pernambuco até hoje.

O unitarismo altamente litúrgico e racionalista, tão característico da região de onde vieram os pais fundadores de nossa congregação, mesclou-se acidentalmente com o quaquerismo  livre dos hicksitas, tão característico da região de onde vieram os quacres que se juntaram a eles, e dessa junção surgiu a comunidade unitarista recifense - que, como sua igreja-mãe em Boston, afirmava ser “cristã unitarista em sua teologia, anglicana em sua liturgia, e congregacional em seu governo”, e adicionava a isso, “quacre em seu testemunho de paz”.

Os cristãos unitaristas formam um número ínfimo no Brasil, mas nos esforçamos para continuarmos fiéis àquele espírito esposado pelos fundadores de nossa comunidade.

As traduções dos textos de Priestley e Channing

Tenho me esforçado grandemente para terminar as traduções que prometi aos meus alunos no IRWEC e aos leitores deste blog. Os textos aos quais tenho me dedicado são a literatura teológica clássica unitarista, especialmente os escritos de Joseph Priestley e William Ellery Channing – cuja leitura exijo de meus alunos nas disciplinas de história do Unitarismo.

Quero que saibam que, mesmo com toda a demora, ainda tenho me dedicado a esse trabalho de tradução. Com todas as responsabilidades em minha vida pessoal – ministério, trabalho e estudos, além da própria vida social (ei, sou humano!) – tem sobrado muito pouco tempo para fazer outras coisas. Tenho dormido cerca de duas horas por noite para ter tempo de terminar tudo o mais rápido possível, mas não é fácil.

Agradeço a ajuda que tenho recebido de alguns membros da comunidade na seleção e revisão de textos, especialmente meus irmãos da Ordem Unitarista – que muitas vezes têm digitado traduções que faço manualmente.

Essa falta de tempo é a razão pela qual tenho escrito tão pouco ultimamente.

Além disso, estou preparando um livreto de introdução ao Unitarismo que publicarei por conta própria, podendo o mesmo ser adquirido online. Em breve, darei maiores detalhes aqui.

Um abraço a todos os amigos leitores e aos meus alunos do IRWEC.

Paz a todos!

+Gibson

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

As crenças unitaristas e a linguagem litúrgica


Algumas perguntas me foram feitas acerca da liturgia na Congregação Unitarista de Pernambuco, e as respostas que dei àquelas perguntas me parecem apropriadas para uma discussão mais ampla acerca da compreensão litúrgica do Cristianismo Liberal como um todo.

Expliquei à pessoa que me questionara que nossa liturgia – assim como a liturgia de toda comunidade de fé – baseia-se em nossas compreensões teológicas (e filosóficas). A compreensão mais amplamente aceita em nossa comunidade é a de integridade. Nossas palavras e ações litúrgicas devem ser um reflexo da integridade de nossas crenças – que, em nosso caso, como teologicamente liberais, não estão acorrentadas ao dogma nem à tradição; nossas crenças são abertas à mudança.

Podemos pensar em, pelo menos, quatro princípios que nos guiam em nossas práticas litúrgicas:

1 – Nosso foco é um modus vivendi compassivo, e não crenças dogmáticas. A compaixão, que, para nós unitaristas, é a verdadeira religião (Miqueias 6:8; Tiago 1:27), faz-nos afirmar o valor e a dignidade de todos os seres humanos (Mateus 7:1-2; 25:37-40). A integridade que afirmamos exige que essa compaixão – esse amor, essa caritas – se expresse em nossas palavras e ações não apenas em nosso dia a dia, mas também em nossa liturgia na igreja. Logo, linguagens sexistas, racistas, homofóbicas, tribalistas, nacionalistas, violentas etc, não podem ser parte de nossa liturgia. É por esta razão que recusamos ler em nossas liturgias mesmo trechos das Escrituras que entendamos como exibindo tal tipo de linguagem.

2 – A maioria de nós unitaristas não compreende Deus como um ser sobrenatural que intervem na história humana. Há alguns de nós que certamente entendem Deus da maneira dita “tradicional”, mas a maioria de nós entendemos a Divindade como uma metáfora para os mais profundos valores humanos. A integridade que buscamos exige que sejamos cuidadosos e inclusivos para com todos em nossa liturgia; logo, nossa linguagem litúrgica tem de ser sensível às compreensões de todos os que fazem parte desta comunidade e que oram conosco.

3 – Para a maioria de nós unitaristas, Jesus é um mestre e um exemplo, e não um salvador sobrenatural enviado por Deus. Jesus “salva-nos” por meio de seus ensinamentos, e não por meio de uma morte para pagar por nossos “pecados”. Por causa disso, não fazemos uso dos tradicionais hinos cantados por outras igrejas cristãs – já que os mesmos estão moldados pela teologia da redenção; somos forçados por nosso anseio pela integridade a encontrar outras vozes para a nossa fé. Essa é a razão para a grande diferença musical em nossa comunidade – quando comparada a outras igrejas cristãs.

4 – Para nós unitaristas, o cristianismo não é o único caminho aceitável e autêntico para se chegar ao Divino ou para encontrar sentido na vida. A integridade que buscamos força-nos a honrar os caminhos que para outras pessoas são tão verdadeiros quanto o nosso é para nós próprios. Isso, mais uma vez, faz-nos rejeitar hinos ou afirmações que insinuem uma superioridade cristã em relação a outras pessoas, por exemplo.

O que nós unitaristas cremos, em essência, é que – mesmo fazendo uso de linguagem metafórica, muitas vezes – nossa linguagem litúrgica, que se expressa em palavras e atos, deve refletir nossas crenças; e essas crenças, em nosso caso, incluem a crença no valor e dignidade inerente de todos os seres humanos (homens, mulheres, de todos os gêneros e identidades de gênero, e de todas as orientações emociono-sexuais), uma crença na paz, na liberdade de pensamento, no exemplo deixado pelas palavras e ações atribuídos a Jesus de Nazaré – nosso mestre e modelo.

sábado, 30 de julho de 2011

A Eucaristia e os Sacramentos para os unitaristas


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"[...]Façam isto em memória de mim." (Lucas 22:19)

Entre nós, unitaristas, geralmente usamos dois diferentes nomes para nos referirmos a esse ritual de partilha de pão e vinho: Eucaristia ou (Santa) Comunhão – e, algumas vezes, ouvimos pessoas que vieram de alguma tradição evangélica chamá-lo de (Santa) Ceia (título este não muito comum entre nós). Seja como for, todos esses títulos saíram do Novo Testamento e enfatizam diferentes sentidos deste sacramento cristão.

Chamá-lo de Eucaristia – um termo tirado do Novo Testamento grego, e que significa ação de graças – lembra-nos que a gratidão à Providência é uma parte essencial tanto da espiritualidade cristã quanto da própria natureza deste ato sacramental.

Chamá-lo de Santa Comunhão lembra-nos que esse é um ato dos mais sagrados e íntimos em nossa tradição, tornando-nos um com Jesus Cristo e parte de seu corpo, a igreja.

Chamá-lo de Santa Ceia lembra-nos que este ato é uma refeição instituída pelo próprio Jesus e presidida por ele, em sua mesa, todas as vezes em que ela é celebrada.

Usar esses diferentes nomes para esse ritual que aqui celebramos todas as vezes que nos encontramos, é um reconhecimento de que nenhum desses títulos pode conter a riqueza de sentidos desse ato sagrado.

É importante que nos lembremos, antes de tudo, do sentido que damos ao termo que é usado para definir essa refeição sagrada: sacramento. Um sacramento tem sido definido, entre nós, como uma “encruzilhada” entre Deus e o homem – um ponto de encontro entre o humano e o sagrado. Um ato sacramental, como a Santa Comunhão ou o Batismo, por exemplo, distingue-se pelo seu uso de atos simbólicos, ou seja, de atos que expressam sentidos, e envolvem, além dos atos em si, palavras e (geralmente) objetos.

Muitos pensam que nós unitaristas não acreditamos em sacramentos e não os celebremos. Enganam-se os que assim pensam. Historicamente, tem havida uma ampla interpretação do que seja um sacramento e de seu papel em nosso meio. É verdade que a maioria de nós tem compreendido a participação externa em tais sacramentos como sendo não necessária para o genuíno discipulado cristão – uma genuína relação com o Divino – ou para a admissão à comunidade cristã; mas, por outro lado, ainda que não enxerguemos os sacramentos como uma espécie de exigência para estarmos de bem com Deus, a maioria esmagadora de nós os celebra continuamente como, pelo menos, um memorial à nossa fé. A realidade da prática sacramental em nossa congregação evidencia-se, por exemplo, quando pensamos no título recebido pelos ministros presbiterais em nossa comunidade: Ministro ou Ministra da Palavra e Sacramento.

Eu, particularmente, compreendo o todo da vida como sendo um sacramento. Pessoalmente, não acredito que um ato ou um momento seja mais sagrado que outro. Assim, prefiro enxergar todos os momentos de minha vida – mesmo aqueles que outros veriam como sendo profanos – como momentos sagrados, e todas as minhas ações como atos sagrados. Obviamente, não espero que todos compreendam a vida como eu a compreendo, nem que moldem suas compreensões teológicas às minhas; mas, duma certa maneira, não há uma distinção tão grande assim entre minha compreensão pessoal e aquela abraçada por nossa comunidade de fé como um todo.

Isso fica claro no momento em que novos membros são recebidos em nossa congregação. Aqui, na Congregação Unitarista de Pernambuco, apesar de o Batismo ser observado pela maioria de nossos membros, não há uma exigência de que alguém deva ser batizado para ser aceito como membro de nossa congregação. Esse tem sido um costume em nossa igreja desde sua fundação, já que, desde o início, tem havido pessoas com as mais diversas compreensões teológicas sobre o sentido dos sacramentos em nosso meio. O mesmo se aplica à nossa compreensão da Santa Comunhão. Se observarem bem, verão que nem todos nós partilhamos do pão e do cálice em nossas celebrações. Os que não partilham desses elementos, não o fazem não por estarem em pecado. Não tomam desses símbolos simplesmente por não os verem como necessários à sua relação com a Providência. Esses cristãos unitaristas fieis compreendem cada momento, cada lugar, cada ato de suas vidas como sendo aquela encruzilhada – aquele ponto de encontro – com o Divino. E, para nós, não há nada de errado com isso. Nossa vida comunitária prova que é possível manter-se uma unidade convenial mesmo em meio a diferentes compreensões teológicas. Podemos enxergar nossa fé de diferentes maneiras e, mesmo assim, manter-nos unidos pelo que fazemos juntos, e não pela maneira como compreendemos cada aspecto de nossa fé e de nossa existência. O que nos unifica é nossa aliança – as promessas que fazemos uns aos outros diante de Deus – e não uma lista de crenças que nos mantenha artificialmente juntos.

As palavras geralmente rezadas em nossa celebração eucarística são um testemunho de nossa compreensão do valor daquele ato simbólico. Alguns de nós podem entender aqueles símbolos como sendo a presença real de Jesus entre nós. Outros de nós podem entendê-los como sendo um símbolo da presença espiritual de Jesus entre nós. Outros, ainda, talvez a maioria de nós, os compreendem como um memorial da união que Jesus espera entre seus discípulos e da unidade entre todos os seres humanos, representada por símbolos tão universais quanto o pão e o vinho. Essa compreensão de união é exibida em nossa recepção de absolutamente todas as pessoas aos símbolos eucarísticos: você não precisa ser um unitarista, não precisa ser membro desta congregação, nem membro de qualquer outra comunidade cristã para ter acesso à Santa Comunhão. Como esta é uma refeição presidida por Jesus, você é um convidado dele para participar dela. Se você recebe ou não a Comunhão, é entre você e Deus.

Quando servimos esses elementos – o pão e o vinho –, o fazemos “em nome de todos aqueles e aquelas que, conhecidos ou desconhecidos, lembrados ou esquecidos, viveram e morreram como verdadeiros servos da humanidade”; em nome do espírito de amor ensinado por Jesus; e em nome da Providência, da Presença Eterna, de Deus. Assim, crianças e adultos, jovens e velhos, homens e mulheres, crentes ou descrentes, esquerdistas ou direitistas, heterossexuais ou gays, pobres ou ricos, nacionais ou estrangeiros, pretos ou brancos, afinal, todas as pessoas são aceitas à mesa cristã. Elas não precisam compreender aquele ato e aqueles símbolos da mesma maneira – só precisam ter o mesmo desejo de amarem e servirem a humanidade e, assim, estarão cumprindo o maior mandamento que Jesus nos deu. Sim, pois mesmo o que se diz ateu, ao amar e servir a seu próximo, está, em verdade, amando e servindo ao Deus do universo.

Que ao fim deste ato sacramental hoje, possamos repetir com toda força em nossos corações, mentes e almas as palavras que sempre rezamos: Cristo nasce em nós quando abrimos nossos corações à inocência e ao amor. Cristo vive em nós quando caminhamos a senda do perdão, reconciliação e compaixão. Cristo morre em nós quando nos rendemos à nossa própria arrogância, egoísmo e ódio. Cristo ressuscita em nós quando nossas almas se despertam da morte espiritual para se unirem à comunidade de amor, para entrar no reino divino aqui mesmo neste mundo. Saiamos em paz. Amém.”


Rev. Gibson da Costa - Sermão proferido na Congregação Unitarista de Pernambuco

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Tempo e Deus


Gosto das palavras de Santo Agostinho, em suas Confissões, quando discute a questão do tempo:

O que é então o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei. No entanto, posso dizer com segurança que não existiria um tempo passado, se nada passasse; e não existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e não haveria o tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempos – passado e futuro –, uma vez que o passado não mais existe e o futuro ainda não existe? E quanto ao presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, mas eternidade. Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como poderemos dizer que existe, uma vez que a sua razão de ser é a mesma pela qual deixará de existir? Daí não podemos falar verdadeiramente da existência do tempo, senão enquanto tende a não existir.” (Confissões, Livro XI, Capítulo XIV)

Para Santo Agostinho, o tempo é essa corrente relacional que depende da localização do observador. Duma certa forma, não deixa de ser a resposta dada pela cosmologia moderna que nos ensina, por exemplo, que o passado depende de onde estejamos. No presente, olhamos para os céus e tudo o que vemos é passado, já que as luzes que brilham nas alturas foram lançadas há muito tempo. Quando vemos o Sol, não estamos vendo o Sol como ele é agora, mas apenas o brilho emitido por ele há oito minutos. E isso se repete todas as vezes que pensamos ver uma estrela qualquer no céu – o que vemos não é uma estrela como ela agora é; na verdade, ela talvez nem mais seja, já que o que vemos é apenas um rastro de sua história no passado.

Isso tudo pode parecer irrelevante, mas é fascinante – especialmente quando pensamos em nossa existência e no sentido que a ela queremos dar. Também somos um rastro do nosso próprio passado. Quando vemos nosso reflexo no espelho, não nos damos conta que o que vemos já é passado, pois, entre tantas outras coisas, há um atraso para o processamento da informação visual pelo nosso cérebro, por exemplo.

E onde está Deus nisso tudo? Dentro do tempo? Fora do tempo? Acima do tempo? Abaixo do tempo? Além do tempo? Apesar do tempo? Ou seria Deus o próprio tempo – e como não entendemos o tempo, também somos incapazes de entender Deus?

+Gibson

CONDENADOS

“Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada e a honestidade se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.” - AYN RAND

Somos uma raridade no cosmos

“...mesmo que o universo seja imensamente maior do que aquelas pessoas do século XVII imaginavam, nós, humanos, não somos insignificantes, porque somos cidadãos do luminoso e do raro, a extraordinária complexidade de nossas mentes nos permite fazer o que nenhuma quantidade de matéria escura ou energia escura poderá jamais fazer.”

(ABRAMS, Nancy Ellen; PRIMACK, Joel R. Panorama Visto do Centro do Universo: a descoberta de nosso extraordinário lugar no cosmos. Tradução de Maria Guimarães. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 148.)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Por que não ensinar o Criacionismo na escola?

O cenário era a apresentação dum seminário que tratava, entre outras coisas, sobre o multiculturalismo e o relativismo cultural. A professora, uma doutora em sociologia, numa aparente provocação acerca do papel do conhecimento científico na escola, questionou os alunos (eu incluído entre esses) por que razão se podia ensinar na escola sobre a teoria do Big Bang como explicação das origens de nosso cosmos e não o Criacionismo, levando-se em consideração que “não podíamos provar nenhum dos dois”.

Quando lançou aquela pergunta, alguns de meus colegas presentes na sala instintivamente olharam para mim, como se dissessem “ela te pegou!”. E eu, infelizmente, não pude responder sua “provocação” (?) na hora, já que estávamos no meio duma apresentação de seminário e dar-lhe uma resposta seria um desrespeito àqueles que apresentavam o seminário.

Entretanto, gostaria de dizer a meus colegas: Não, ela não “me pegou”. Ela caiu numa armadilha muito perigosa, mesmo que sua intenção fora apenas fazer uma provocação – o que, honestamente, espero ter sido o caso, apesar de não haver soado como só isso; em suas observações, ela soou como se ela realmente acreditasse no que disse (de que não há diferença entre ciência e mitologia).

Há uma grande diferença entre um mito religioso – que, devo esclarecer, não é sinônimo de mentira – e uma teoria científica. A teoria do Big Bang não é uma explicaçãozinha que nasceu como fruto duma política multiculturalista e relativista que diz que tudo é bom e válido (devo esclarecer que esta é minha provocação contra o que ouvi ontem!). Ela está baseada em leis que descrevem eficientemente os fenômenos naturais que podemos observar. Apesar de não podermos afirmar que nossas explicações científicas acerca de nossas origens estejam plenamente certas, elas são o melhor que temos até hoje.

A questão aqui é: qual o papel da escola? Os estudantes religiosos podem ouvir explicações religiosas em suas comunidades religiosas, ou, podem escolher frequentar uma escola religiosa. Os alunos duma escola pública, laica, têm de estar expostos às explicações científicas e laicas, já que sua escola é mantida por dinheiro público. Além disso, vejo a escola como uma ligação entre os alunos e sua herança cultural, o que inclui a ciência. O sistema escolar não exclui a religião, e, além disso, a Constituição Federal garante o pleno direito religioso no país – logo, não se pode sugerir que os religiosos não tenham a liberdade legal de buscarem explicações religiosas fora da escola (o que não foi o caso daquela professora). Se um aluno aprende ciências, são as teorias científicas que deve aprender e não explicações baseadas em mitos religiosos.

Outro problema causado pela (suposta) provocação da professora é a questão do uso do termo “teoria”. Em ciência, o termo teoria não tem o sentido dado-lhe em nossas conversas cotidianas – como quando alguém diz: “Teoricamente, você tinha de fazer isso” -; a teoria científica é um sistema explicativo da realidade, que envolve fatos que se correlacionam sob um mesmo modelo teórico, cujas predições se confirmam, dentro dos limites nos quais seus pressupostos podem ser aplicados. Apesar de, na ciência, não se supor ter uma explicação definitiva – já que as teorias estão sujeitas à revisão – é tolice querer equacionar os achados da ciência com as noções mitológicas que construímos como interpretação do mundo.

Só alguém que não conhece o que faz a ciência, nem entende o que intenciona a religião, além de não compreender o que se pretende na escola, nem saber o que significa “Criacionismo”, pensaria que tanto faz ensinar o Big Bang ou o Criacionismo (que não é a explicação bíblica, nem ortodoxa da Criação – é, antes, uma construção reacionária duma nova interpretação dos relatos bíblicos). Deus nos proteja dessas concepções!

+Gibson

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Deus, questões cosmológicas e uma visão otimista da realidade

Ouvi certa vez de um amigo, enquanto conversávamos sobre Deus e a origem do Universo, que eu era muito pessimista. Ele entendia que por eu abraçar uma visão científica da origem da vida e por não enfatizar uma crença no sobrenatural ou numa existência espiritual, minha visão seria “pessimista”. Bem, tenho de discordar de meu amigo.

Não tenho uma visão teísta sobrenatural-personalista, ou seja, não enxergo Deus necessariamente como um ser pessoal que controla o Universo e intervém de maneira “sobrenatural” na história. Creio em Deus. Com isso quero dizer, creio na Realidade de Deus. Creio firmemente que existo dentro de Deus, que minha realidade está contida na Realidade do Divino (Atos 17:28). Não vejo Deus necessariamente como uma pessoa, apesar de, algumas vezes, fazer uso dessa metáfora personalista tradicional. Penso que a metáfora dum Deus pessoal é útil para o desenvolvimento de certos aspectos de nossa espiritualidade (especialmente uma que esteja enraizada na tradição judaico-cristã).

O problema, para alguns, reside no fato de eu alegremente abraçar uma visão científica da origem de nosso Universo – e, consequentemente, de nossa própria origem. Pessoalmente, não vejo conflito entre as explicações e interpretações míticas oferecidas por nossas tradições religiosas e as outras explicações (também “míticas”?) oferecidas pela ciência moderna. Não vejo conflitos porque vejo nessas tradições narrativas o exercício de diferentes funções – funções essas que são moldadas pelas necessidades, compreensões e experiências de diferentes povos em diferentes tempos, lugares e circunstâncias.

A história de nosso Universo, que ainda não foi contada em todos os seus detalhes – e que, talvez, nunca será -, é fascinante. Vivemos num Universo que se expande numa velocidade incrível, e não apenas porque ele de fato se expande, mas também porque a nossa própria compreensão dele está num processo de expansão interminável: todos os dias descobrimos mais e mais a respeito da realidade que nos cerca e da qual somos parte, e, assim, reescrevemos nossa história cósmica.

Um Deus pessoal criou nosso Universo? Mas se esse Deus pessoal criador foi a origem de nosso Universo, onde ele estava antes de o Universo ser criado? Estava em outro Universo? Mas se estava em outro Universo, quem criou aquele outro Universo?...

O Big Bang foi a origem de nosso Universo como o conhecemos? Mas o que originou essa fuga cósmica primordial? O que deu origem àquele Universo denso e quente?... Não é que não existam explicações científicas convincentes para a origem do Universo, é só que tudo é tão difícil de entender para mentes tão limitadas temporal e espacialmente.

As duas explicações, a religiosa e a científica, exigem um amplo exercício de criatividade imaginativa para que as compreendamos. E essa é a graça de tudo.

Para alguém que acredita em Deus, e que busque uma resposta teológica, talvez a pergunta primordial seja: O quê é Deus, afinal de contas? E fazer-se esta pergunta, tentando ouvir as vozes de diferentes fontes (a tradição narrativa da religião e a da ciência), não torna alguém um “pessimista”, pelo contrário!

+Gibson

domingo, 22 de maio de 2011

A necessidade da ecclesia


Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles.” (Mateus 18:20)

Há algo que não podemos esquecer quando pensamos no Cristianismo: não existe a possibilidade de ser cristão isoladamente. Como cristãos, precisamos dum grupo que nos ajude a ouvir a voz de Deus. Essa comunidade é a igreja.

Quando converso com pessoas que buscam uma forma de ser cristão que não inclua o dogmatismo, a intolerância, o conservadorismo social, e o exclusivismo e fundamentalismo teológicos característicos do cristianismo (especialmente protestante) praticado em nosso país, constantemente dizem-me que não precisam duma “igreja” para estarem em comunhão com Deus. Por conta de suas experiências desastrosas com a religião organizada, muitas dessas pessoas constroem uma forma de espiritualidade demasiadamente individualista e, inconscientemente, perdem um dos sensos mais importantes da tradição cristã: o senso de ecclesia.

A tradição cristã afirma que para estarmos em comunhão com Deus, devemos estar em comunhão com nossos irmãos e irmãs em Cristo – o que, para mim, inclui não apenas os demais cristãos, mas toda a família humana.

Apesar de pessoalmente não compreender a Divindade como uma Trindade, no sentido dado a este termo pela ortodoxia cristã, creio que esta palavra indica o quanto a noção de comunidade é cara para a tradição cristã: até mesmo Deus é uma comunidade.

É importante enfatizar que a igreja é um grupo de pessoas, e não prédios, doutrinas ou cerimônias. A igreja é aquele conjunto de pessoas que, em um tempo e lugar particulares, estão dispostas a servir de testemunhas do amor de Deus e dos ensinamentos e exemplos de Jesus. Negar-se a ser parte da igreja é abrir mão disso.

A igreja precisa ser fortalecida por novas vozes, já que ela é uma encarnação da ideia cristã de sociedade. Como igreja, nós cristãos temos a oportunidade de pôr em prática aqueles ensinamentos de Jesus que nos moldam como seus seguidores. E só podemos fazer isso em comunidade. A comodidade do isolacionismo é um “luxo” (?) não disponível à vida cristã.

Com isso, entretanto, não quero dizer que não possamos ser parte duma igreja não convencional. O que conta, em minha opinião, é a comunidade (a ecclesia). Minha igreja poderia ser uma visita a um orfanato, a uma residência de idosos, a um hospital. Minha oração e meus sacramentos poderiam ser (devem ser) o serviço ao meu próximo. Quando condeno o individualismo, refiro-me especialmente àquele isolacionismo intelectualóide que se conforma com sentar-se em casa e criar interpretações religiosas pseudo-espirituais, não pondo em prática a religião de Jesus. Isso, para mim, não é cristianismo – é qualquer coisa que queira chamar, não cristianismo.

Como um ministro cristão, obviamente vejo a comunidade da igreja – a comunidade de fé, a ecclesia – como necessária. O que rezamos, o que fazemos, o que aprendemos, o que criamos, o que ensinamos, em comunidade é parte de ser igreja. Estar distante disso, isolado dessa comunidade, é privar-se de ser moldado pelo espírito cristão. Confio na promessa atribuída a Jesus: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles”. Certamente podemos interpretar de diferentes maneiras o que Jesus quis dizer com “estiverem reunidos em meu nome”, mas seja lá qual for o sentido que dermos à expressão, ela certamente se refere a uma comunidade de pessoas, e não a um indivíduo que voluntariamente escolha o isolamento.

+Gibson

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Todos são iguais perante a Lei

"TODOS são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à IGUALDADE, à segurança e à propriedade..." (Constituição Federal, Art. 5º)

Sempre admirei estas palavras presentes na Constituição Federal, apesar de, em minha opinião, elas não serem postas em prática para com os cidadãos não-heterossexuais - bem, pelo menos até a última quinta-feira (5 de maio de 2011).

Numa decisão já esperada, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão favorável às uniões homoafetivas – uniões entre casais do mesmo sexo -, estendendo a esses cidadãos uma lista de 111 direitos até então só disponíveis a casais heterossexuais.

A oposição feita por grupos religiosos a essa decisão é clara. Tenho ouvido comentários extremamente reacionários e delirantes sobre essa decisão do Supremo. Esses opositores da decisão do STF, entretanto, não conseguem enxergar o que há de mais óbvio a respeito do tema: trata-se duma questão relativa a direitos civis de cidadãos que pagam impostos e cumprem suas obrigações constitucionais, e não um ataque a quem quer que seja.

A comunidade unitarista recebe a decisão do STF com muita alegria. A decisão segue um caminho já percorrido por nossa comunidade religiosa - caminho este que valoriza e honra o ser humano, apesar das diferenças existentes entre nós. Pessoalmente, espero que os direitos e as obrigações a serem estendidos a casais homoafetivos sejam, de fato, iguais aos direitos e deveres de todos os outros casais; ess é um pequeno passo para, um dia, alcançarmos uma sociedade realmente justa em suas entranhas jurídicas e, quiçá, em suas relações sociais.

+Gibson

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Minha Resposta à Morte de Osama bin Laden

Como todos vocês, fui surpreendido pelo anúncio da morte de Osama bin Laden, no último domingo; e, como alguns de vocês, fui tomado por um sentimento de reflexão quanto ao significado do acontecimento. Como alguém que teve uma relação muito próxima com pessoas atingidas pelo horror perpetrado por terroristas malucos, imagino o que muitas dessas pessoas possam estar sentindo agora.

Como um cristão comprometido com o “espírito de Jesus” (o que chamo de “sola caritas”), seu ensinamento de amor e perdão, choco-me com as manifestações pseudopatrióticas de alguns de meus irmãos norte-americanos (apesar de compreender o que leva-lhes a agirem como agem). Como cristão, imagino a voz do rabino galileu ensinando seus seguidores a amarem seus inimigos, apesar de, como ser humano, saber o quão difícil é por isso em prática. É só pensar nas figuras vivas em nosso imaginário coletivo (Adolf Hitler, Wellington Menezes de Oliveira, o próprio Osama bin Laden, e tantos outros e outras), e tentar lembrar que Jesus se referia a pessoas como eles, a pessoas que fizeram o que eles fizeram – pois “amar”, na tradição dos evangelhos cristãos, não tem o sentido novelesco ou hollywoodiano: amar era, e é, um exercício complexo e trabalhoso, uma missão.

Como ser humano, e como cristão unitarista, não celebro a morte (o assassinato) de nenhum outro ser humano. Não importa o quão horrendas tenham sido as ações perpetradas por essa pessoa. Como unitarista, acredito no valor e dignidade de cada um dos seres humanos sobre a terra, não importando se não vejam os outros seres humanos dessa mesma forma. Logo, o que foi feito a Osama bin Laden é uma tragédia patética e uma sabotagem dos valores que nós ocidentais dizemos defender. É uma afronta aos valores liberais – em seu sentido político e religioso. É uma afronta ao Direito Internacional, e uma afronta aos ideais presentes na Constituição dos Estados Unidos.

Os brasileiros e nacionais de outros países, que não os Estados Unidos, podem pensar que Osama bin Laden não é seu problema. Estão enganados. Quando os Estados Unidos foram atacados, a lógica das ações dos terroristas era a de se manifestarem contra a ideia de mundo que o “Ocidente” (uma construção ideológica) representava. Obviamente, seu alvo principal era os Estados Unidos; mas as ideias que atacavam eram as ideias do mundo ocidental – liberdades política, ideológica, religiosa, financeira; diversidades sexual, cultural, religiosa, identitária, etc. Logo, todo o “Ocidente” foi juntamente atacado. Se não fora este o caso, por que não atacaram apenas Washington? Por que Nova York, a chamada “capital do mundo” e sede das Nações Unidas? Na realidade, suas ações foram um ataque à humanidade (uma outra construção ideológica) – como conjuntamente a definimos em documentos aceitos pela maioria dos países membros das Nações Unidas.

Pensando nas ações desses terroristas, somos impulsivamente levados a esquecer dos próprios princípios que levaram à sua repulsa pelo ideário ocidental e que nós dizemos defender. Um desses princípios é o de que os seres humanos têm direito a um julgamento justo (em termos do processo), têm o direito a se defenderem e mesmo o “direito” a pagarem por seus crimes de forma não arbitrária. Terroristas como Bin Laden e os membros de seu clube negam aos demais seres humanos esses direitos, mas, apesar disso, os princípios pelos quais dizemos viver afirmam que eles têm esses direitos (independentemente de suas ações). Quando agentes americanos invadem um país e matam a Bin Laden arbitrariamente, estão cuspindo nos princípios de nossas noções do que seja civilização e humanidade (princípios defendidos pela Constituição americana e que, supostamente, guiam as operações desses agentes), além de estarem zombando da memória das vítimas do 11 de setembro e de tantos outros episódios drásticos. A memória das vítimas de Bin Laden, assim como a memória da fundação de nossa noção de humanidade e civilização, seria(m) honrada(s) se ele tivesse sido levado a um tribunal e julgado por seus crimes, e aí, então, tivesse pago o preço pelo que fez.

É nisso que acredito, como humano e como um cristão unitarista.

+Gibson

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Deixe-me Ser Seu Servo


Irmão/Irmã, deixe-me ser seu servo/sua serva, deixe-me ser como Cristo para você. Reze pare que eu possa ter a graça de deixar você ser meu servo/minha serva também.

Somos peregrinos numa jornada, e companheiros no caminho. Estamos aqui para ajudarmo-nos um ao outro a caminhar e a carregar o fardo.

Segurarei a luz de Cristo para você na noite do seu medo. Estenderei minha mão para você, e direi o que você precisa ouvir.

Chorarei quando você estiver chorando; quando você gargalhar, gargalharei com você. Compartilharei sua alegria e sua dor, até que cheguemos ao fim do caminho.

Irmão/irmã, deixe-me ser seu servo/sua serva, deixe ser como Cristo para você. Reze para que eu possa ter a graça de deixar você ser meu servo/minha serva também.

NOTA: usado na liturgia de lava-pés da Congregação Unitarista de Pernambuco, em 21 de abril de 2011, Quinta-feira Santa.

Leituras de Hoje - Lecionário Comum Revisado

Quinta-feira Santa - 21 de abril de 2011


  • Primeira Leitura: Êxodo 12:1-4, (5-10), 11-14
  • Salmo: Salmo 116:1-2, 12-19
  • Segunda Leitura: 1 Coríntios 11:23-26
  • Evangelho: João 13:1-17, 31b-35

domingo, 10 de abril de 2011

Leituras de Hoje - Lecionário Comum Revisado

Quinto Domingo na Quaresma - 10 de abril de 2011



  • Primeira Leitura: Ezequiel 37:1-14
  • Salmo: Salmo 130
  • Segunda Leitura: Romanos 8:6-11
  • Evangelho: João 11:1-45

terça-feira, 22 de março de 2011

Sola Caritas

A comunidade cristã se perde com muita facilidade em emaranhados teológicos inúteis. Ao menos, é o que acredito. Com isso não quero dizer que fazer teologia seja algo inútil. O que faço aqui é teologia – os visitantes mais “conservadores” podem entender essa como sendo “má teologia”, mas é teologia assim mesmo. Discutir nossas compreensões a respeito do sentido das questões mais elementares de nossa existência no mundo é fazer teologia. Para alguns, Deus é um elemento necessário a essa discussão – e é, ao menos para a maioria dos cristãos, não todos -, para outros, eu incluso, o elemento mais necessário nesta discussão é nossa relação com outros seres humanos e com a vida como um todo. Quando falo em “emaranhados teológicos inúteis”, me refiro às discussões dogmáticas que tiram de foco o espírito do ensinamento de Jesus.

Muito do que ocorreu no universo teológico cristão durante as eras justifica-se pelas circunstâncias históricas: concílios, credos, reformas, confissões, etc. A Reforma Protestante alemã, por exemplo, trouxe-nos a sola fide (princípio material da Reforma) e a sola scriptura (o princípio formal da Reforma), que seriam complementadas por três outras no decorrer da construção do Protestantismo lutero-calvinista: solus Christus, sola gratia, soli Deo gloria.

Obviamente, como ocorreu com os textos dos credos surgidos nos primeiros séculos da igreja cristã, as confissões protestantes não falam nada sobre os ensinamentos de Jesus. Todos eles, os credos e as confissões, dos primeiros séculos até o século XIX, referem-se à morte de Cristo e a concepções sacrificiais para proclamarem a fé da igreja, mas deixam de fora todo o ensinamento de Jesus a respeito de amor, perdão, doação, caridade. O mais interessante é que a igreja teve de esperar pelos hereges para que declarações de fé fizessem menção aos ensinamentos de Jesus como sendo a base para um viver cristão autêntico: os unitaristas.

Dessa ausência de menção explícita ao cerne da tradição cristã (=amor/caridade), foi de onde surgiu minha concepção pessoal de SOLA CARITAS. Ainda no Seminário passei a compreender que se tivesse de escolher uma noção capaz de sumariar os ensinamentos atribuídos a Jesus pelas Escrituras e pela tradição, essa deveria ser uma menção ao amor que ele proclamara em palavra e ação.

Como unitarista, não acredito que Jesus tenha morrido para me salvar de meus pecados. O que me salva, em Jesus, é seu ensinamento. Jesus nos “salva” por nos mostrar o caminho para Deus. O caminho para Deus – que é amor – é a prática do amor, que é o próprio Deus (ou seja, o caminho de Jesus é um caminho infinito: para se chegar a Deus [=amor], você tem de “praticar” o próprio Deus [=amor]). Esse amor, que os evangelhos chamam de “caridade”, é aquilo que foi espelhado na vida do próprio Jesus. Se Deus é amor, e se Jesus praticou o amor em sua vida e ministério, não é difícil chegar à conclusão de que Jesus realmente era uno com Deus. Por o amor ser parte integrante da vida do próprio Jesus, de acordo com os autores dos evangelhos, podemos afirmar, sem receio, que Jesus é divino, já que sua vida foi uma manifestação do próprio Deus [=amor].

É dessa justificativa, aparentemente confusa, e muito herética para alguns, que surge minha defesa da noção de SOLA CARITAS: o amor [=caridade] é o único caminho para Deus, é só através dele que somos “salvos”. Somente o amor / a caridade .

+Gibson

segunda-feira, 21 de março de 2011

Meu cristianismo liberal unitarista-anglicano-luterano

Como Peter Berger escreveu certa vez, perguntar a respeito das mudanças na mente dum indivíduo é “um convite ao narcisismo”*. Não posso deixar de me entregar a essa perigosa atividade, mesmo correndo o risco de soar um tanto narcisista, porque creio que outras pessoas também passaram por processos semelhantes de transformação pessoal.


Definir-me religiosamente tem sempre sido um desafio para mim. Sou um cristão liberal unitarista-anglicano-luterano. Quanta contradição há nessa auto descrição? Não sei. Sei que ela é um sumário de minha herança religiosa; uma tentativa de afirmação da vasta tradição que sempre foi parte de minha visão religiosa do mundo.

Cresci com essas três heranças encrustadas em meu eu religioso. Do unitarismo, que é a voz mais forte na linguagem teológica que uso para interpretar o universo, vem minha independência de pensamento e meu ímpeto para desafiar as representações da realidade que me tentam impor, além de minha tolerância e apreciação pelo diferente, enfim, vem meu não-conformismo. Do luteranismo vem a lembrança de que, mesmo sendo um homem livre e inteligente, sou dependente daquela Realidade inexplicável que a tradição chama de “Deus”. Do anglicanismo, vem meu amor pela tradição cristã, meu amor pela liturgia que me une aos cristãos de todas as eras. Das três tradições, ou de minha interpretação pessoal delas, vem minha compreensão do cristianismo como sendo uma “ação”, muito mais do que apenas uma “concepção”.

Sou um ministro ordenado de quatro diferentes denominações religiosas: uma unitarista, uma anglicana, uma luterana, e uma Igreja Unida – que em seu seio, traz elementos de todas as já citadas. Sinto-me muito bem com essa aparente confusão de lealdades, pois, no fim das contas, sou fiel a apenas uma igreja: aquela comunidade dos seguidores de Jesus de Nazaré – aquele ser humano em quem reside minha compreensão de Deus e de meu relacionamento com a vida e com os demais humanos.

Parece ser uma contradição que um sacerdote luterano-anglicano possa ser, ao mesmo tempo, um ministro unitarista, ou vice-versa. Afinal de contas, onde ficam as compreensões de Deus, aparentemente contraditórias, dessas duas grandes tradições: os protestantes livres (unitaristas) e os protestantes ortodoxos (luteranos e anglicanos)? Onde ficam as diferenças entre as duas tradições eclesiológicas: os congregacionais (unitaristas e Igreja Unida) e os episcopais (anglicanos e luteranos)? E outras tantas aparentes contradições?... Bem, não tenho uma resposta simples para isso. Como não me preocupo com respostas dogmáticas, com explicações que tenham validade permanente, essas diferenças são para mim supérfluas.

Hoje não tenho mais ligações canônicas com a Igreja Episcopal ou com a Igreja Evangélica Luterana na América. Minhas ligações ministeriais se reservam à Igreja Unida e às várias associações ministeriais unitaristas e universalistas da qual sou parte. Foi uma decisão difícil, mas era necessária para que eu assumisse a liderança de minha comunidade religiosa. Essa não foi uma exigência da Associação Unitarista ou das outras duas igrejas (anglicana e luterana), mas era uma exigência de minha consciência. Ao mesmo tempo, essa foi uma decisão política e um manifesto teológico.

Eu, pessoalmente, sou um cristão. Sou leal à minha compreensão de Deus e ao meu relacionamento com Jesus de Nazaré. Sou fiel à minha compreensão adogmática das Escrituras e da tradição cristã. Sou leal à voz do Espírito Divino entre nós unitaristas, quando ela nos diz que devemos ter nossas mentes, nossos corações e nossos braços abertos para recebermos absolutamente todas as pessoas, independentemente de quem sejam ou do que acreditam ou desacreditam. Minha compreensão do cristianismo tem passado por inúmeras transformações no decorrer de minha vida adulta, transformações essas que me fazem compreender minha fé como um processo e não com um fim. A fé religiosa é uma aventura, é uma jornada que nos leva por caminhos sinuosos e que nos constrói e reconstrói continuamente. Esse caminho de variações, esse processo interminável, essa jornada sinuosa é o meu cristianismo, é o cristianismo que aprendi em meu confuso berço unitarista-anglicano-luterano, é o cristianismo de minha comunidade unitarista. Pode até parecer loucura aos ouvidos dos cristãos dogmáticos ou dos descrentes em religião, mas é assim que entendo meu cristianismo unitarista.

+Gibson da Costa

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*BERGER, Peter. From Secularity to World Religions. In: Christian Century, 16 de Janeiro, 1980. p. 41.

domingo, 6 de março de 2011

Ser Cristão Hoje


Quando lemos as Escrituras, exercemos todos a função de intérpretes da grande e vasta tradição cristã. Isso ocorre no protestantismo, de forma mais ampla, mas isso também ocorre no catolicismo, já que mesmo que os oficiais da Igreja sejam os intérpretes da tradição (e as Escrituras estão inclusas aí), o indivíduo, em sua vida diária, interpreta seu mundo e sua tradição religiosa. Se o que escolhemos são aquelas linhas dogmáticas, preconceituosas, tribais, e violentas das Escrituras como sendo o cristianismo, essa é uma opção interpretativa individual (ou, em alguns casos, coletiva também), mas é apenas uma opção.

As Escrituras estão repletas de afirmações satisfatoriamente convincentes de que o espírito do cristianismo, a essência de nossa vasta tradição, não se resume a dogmas doutrinários, mas a um caminho de vida: um caminho de amor, perdão, compreensão, compaixão, serviço; uma caminhada com Deus, que só é possivelmente materializável quando se torna uma caminhada ao lado de nosso próximo.

Ser cristão hoje significa, em minha própria interpretação da tradição cristã, olhar para o mundo e trabalhar em seu processo de cura. Trabalhar para que as pessoas sejam livres: livres para pensarem o que quiserem, livres para serem quem são, livres para se tornarem melhores, livres para produzirem e usufruírem do que produzem. Significa que eu, como cristão, devo proteger e cuidar dos mais fracos: e dentre os mais fracos não estão apenas os mais pobres e os doentes; estão também aqueles que sofrem discriminação por não se encaixarem em um perfil esperado – os que tenham alguma limitação física ou mental, os que tenham uma orientação emociono-sexual diferente, etc; estão aqueles que cometeram erros no passado e estão dispostos a viverem uma nova vida.

Ser cristão hoje significa trabalhar para proteger o planeta no qual vivo – suas fontes de água, suas florestas, seus animais, seus oceanos, seu ar. Significa ser uma voz para os condenados por crimes que estão em cadeias onde não têm a chance de se regenerarem, onde não têm a mínima chance de alterar seu futuro, e de onde sairão, muitos deles, ou para voltar ao crime ou para enfrentar um mundo onde serão marginalizados e forçados às sombras.

Ser cristão hoje significa trabalhar por uma transformação na educação e saúde, por melhores oportunidades de autonomia sócio-econômica individual através do trabalho. Significa trabalhar para que as crianças e jovens de hoje tenham um futuro melhor, e para que os idosos tenham dignidade em sua vida hoje.

Ser cristão hoje significa estar ao lado da paz justa, incondicionalmente, e por ela trabalhar incansavelmente.

Essa é a única “verdade” religiosa a qual me submeto. Esse é o meu cristianismo. Esse é o meu credo.

Miqueias 6:8
Isaías 58:6-10
Mateus 7:12
Mateus 25:31-46
Romanos 12:10-21
Romanos 13:8-10
Tiago 1:26, 27
Tiago 2:17

+Gibson da Costa