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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Batistas - uma conversa com Nilo

Caro Nilo,

Essa nossa conversa se iniciou na seguinte postagem http://cristianismoprogressista.blogspot.com/2009/05/universalismo-cristao-uma-breve.html
Por questões de espaço, e mesmo de relevância, decidi responder seu questionamento aqui, em separado.

Devo, antes de tudo, enfatizar que a visão que tenho dos batistas brasileiros (dos vários grupos que existem) é aquela de alguém que vê a partir de uma perspectiva externa, já que não tenho contato formal com comunidades batistas brasileiras. Tenho uma forte ligação (institucional mesmo) com os batistas gerais britânicos (que como afirmei antes, são unitaristas), e com o movimento progressista batista nos Estados Unidos, devido a minha ligação com a Alliance of Baptists.

O que diferencia os batistas gerais unitaristas dos batistas "gerais" brasileiros? Esta não é tão fácil assim de responder. Ou talvez seja! A diferença básica está na "lealdade" (por falta de uma expressão melhor) à tradição batista, falta essa muito presente na maioria dos assim chamados batistas hoje em dia.

Em um livro que considero interessantíssimo, The Baptist Identity, escrito por Walter Shurden, publicado em 1993 e ainda não traduzido ao português, o autor discute alguns dos princípios históricos batistas e a situação atual do movimento batista americano com relação a esses princípios. Muitas das coisas discutidas ali são válidas para o movimento batista aqui no Brasil.

Em seu livro, Shurden - diretor executivo do Centro Para Estudos Batistas da Universidade de Mercer, EUA - discute o que ele chama de quatro frágeis liberdades, que representam a base do movimento batista: 1) Liberdade Bíblica - que significa ter livre acesso às Escrituras, estar livre de restrições dogmáticas para a sua compreensão, e ter acesso à liberdade de interpretação individual das Escrituras; 2) Liberdade Espiritual - que significa não sofrer imposições doutrinárias, interferências clericais, ou intervenção do governo civil em nossa relação com Deus; 3) Liberdade Eclesiástica - ou seja, liberdade das igrejas individuais (congregações) com relação a quaisquer autoridades denominacionais; 4) Liberdade Religiosa - ou seja, a absoluta separação entre igreja e Estado.

Essas liberdades citadas por Shurden são um resumo do que significa ser batista, e se você atentar bem para esses "princípios" (percebe a linguagem? não doutrinas, mas "princípios", como nós unitaristas falamos!), verá que são os mesmos princípios defendidos pelos Batistas Gerais da Grã-Bretanha - da mesma forma como são os mesmos princípios defendidos pelos Unitaristas, pelos Universalistas, pelos Presbiterianos Não-Subscritos da Irlanda do Norte, e por muitos outros grupos protestantes pelo mundo afora. O interessante é que esses batistas que se mantêm fiéis à sua antiga tradição de liberdade é que são acusados de heresia, enquanto aqueles que, por muitas razões que não poderia discutir agora, abraçaram uma forma dogmática de definir sua fé que entra em conflito com as mais nobres tradições batistas são vistos como os "verdadeiros" batistas, os ortodoxos! É fascinante ver como os valores foram mudados e as perspectivas completamente alteradas. Isso obviamente não ocorreu apenas entre os batistas, já que ocorre entre outros grupos, mais marcadamente no meu próprio berço anglicano!

Agora faça uma comparação entre esses princípios e o que se ensina nas igrejas batistas brasileiras; faça uma real comparação. Será que os batistas brasileiros são ensinados a interpretar as escrituras de maneira individual, mesmo que essa interpretação entre em conflito com a mente da comunidade da qual são parte? São os batistas brasileiros realmente livres de imposições doutrinárias e clericais para se relacionarem com Deus, ou seja, podem entrar em conflito com seus ministros e igrejas sem serem punidos por isso? O que acontece com uma congregação que seja parte de uma associação ou denominação batista qualquer e tenha uma visão que entre em conflito com aquela defendida pela maioria? Os batistas brasileiros têm defendido suficientemente a distinção entre igreja e estado no Brasil, ou têm se aproveitado para chegar ao poder fazendo uso de instrumentos religiosos?... Não posso responder essas perguntas por você, mas tenho certeza que verá a diferença entre o que se ensina na maioria das igrejas batistas no Brasil e o que se ensina em igrejas batistas gerais, já que as últimas se mantêm fiéis a esses PRINCÍPIOS a qualquer custo. Também é importante que eu diga que esses princípios (até certo ponto) são reconhecidos e abraçados por grupos batistas no Brasil (estou agora pensando na Convenção Batista Brasileira).

Espero que possamos conversar um pouco mais sobre isso, e convido outros batistas a entrarem na discussão.

Paz e Feliz Páscoa!

Rev. Gibson da Costa

9 comentários:

  1. Gibson. Que analise maravilhosa você fez. Desejo lembrar que ja existe um livro de Walter B Shurden traduzido no Brasil:Quatro Fragéis Liberdades- Resgatando a Identidade e os Princípios Batistas, lançado pelo Centro Martin Luther King do Brasil em parceria com a Visão Mundial.Outros detalhe importante sua simpatia pela Alliance of Baptistas.Como ja lhe disse surgiu recentemente a Aliança de Batistas do Brasil, que defende posicionamentos semelhanetes aos de Shurden, dialogando com a realidade brasileira de maneira concreta, seguindo uma linha que vai desde a missão integral da igreja até a Teologia da Libertação Ecumênica. Outro ponto a ser destacado essa Aliança se encontra inserida dentro da convenção batista brasileira,que em muitos casos praticamente ignora esses principios dando grande valor as doutrinas, sendo que estes principios em parte se encontram inseridos em seus documentos históricos no Brasil.

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  2. Feliz Pascóa amigo Gibson.

    Acabei de ler dois livros muito interessantes para esta data tão cheia de representações e significados: Morte e Ressureição de Jesus- Reconstrução e Hermenêutica: Um debate com John Dominic Crossan e A descoberta do Jesus histórico, ambos lançados pela editora Paulinas.
    John Dominic Crossan, profundo conhecedor do Jesus histórico, têm artigos escritos nos dois volumes dessa coleção lançada pela Paulinas. Muito interessante mesmo.
    Bom meu caro,como ja lhe falei anteriormente ja existe um livro de Shurden traduzido para os leitores brasileiros: Quatro Fragéis Liberdades, onde além de apresentar as quatro liberdades que têm sido parte importante da tradição batista, o autor nos convida a um verdadeiro passeio pela diversidade de documentos batistas de várias confissões no mundo.Interessante destacar por exemplo a diferenciação feita em algumas confissões e declarações sobre ordenanças e sacramentos,(No Brasil a Convenção Batista, utiliza o termo ordenança, mas em algumas países o termo utilizado pelos batistas e sacramento, ainda que o sentido seja no final o de ordenança.)sobre guerra,missão da igreja, milênio, justiça social, enfim, é o tipo de livro que deveria ser lido não apenas pelos batistas brasileiros, mas por todos as vertentes cristãs e não cristãs que desejassem conhecer melhor a rica tradição que não é so dos batistas, como o Gibson mostrou nos comentários anteriores, mas que marca de maneira especial várias igrejas espalhadas pelos mundo.

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  3. Nilo,

    Desconhecia o fato de o livro ter sido traduzido ao português - o livro do qual você fala é o livro que citei na postagem. Isso é ótimo! Lembro-me de tê-lo lido pela primeira vez enquanto ainda estava no seminário nos EUA, e do impacto que teve sobre meus amigos batistas. Sou ministro da Igreja Unida de Cristo, e da Igreja Cristã (Discípulos de Cristo), que possuem uma relação ecumênica com a Alliance of Baptists, o que me faz apoiar todo o trabalho da Aliança em favor de seus membros e da tradição batista. Como já devo ter dito antes, fico muito feliz em saber que batistas brasileiros estejam reencontrando sua identidade histórica de liberdade, e realmente gostaria de apoiar aqueles indivíduos que o façam da melhor maneira que eu puder.

    Grande abraço, e Paz!

    Gibson

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  4. Gibson amigo. Além da sua igreja, existem outras universalistas-unitarias aqui no Brasil...
    Por exemplo no Rio de Janeiro existe alguma,aqui eu conheço igrejas relevantes como a presbiteriana da praia de botafogo, a comunidade betel a igreja cristã de Ipanema, a Bethesda, algumas inclusivas, mas nao ouvi falar de igreja unitária. Falando sobre batistas gerais britanicos tem algum link para se conhecer mais a respeito desse grupo de unitaristas abs

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  5. Olha so o que eu recebi amigo Gibson.

    Não ao Universalismo (ULTIMATO ON LINE)

    O universalismo afirma uma doutrina que a Bíblia nega — a salvação universal. E nega uma doutrina que a Bíblia afirma — a punição eterna

    O universalismo é uma tentação teológica e missiológica. Seria muito melhor se tudo acabasse bem para ambos os lados, para os que se convertem e para os que não se convertem, para os que são eleitos e para os que não são eleitos, para os que as Escrituras chamam de salvos e para os que as Escrituras chamam de perdidos. Para uns a graça não precisaria ser muito comprida; para outros, precisaria se alongar muito. Todos chegariam à salvação, uns mais depressa e outros mais devagar. Ninguém iria para o inferno. Não há condenação para os que já estão em Cristo antes da morte nem para os que estarão em Cristo depois da morte. Mas não é assim. Para ser assim, uma releitura da Bíblia não seria suficiente. Seria necessário reescrever a Bíblia.

    O universalismo é a crença de que na plenitude do tempo todas as almas serão livres e restauradas por Deus. Afirma uma doutrina que a Bíblia nega — a salvação universal. E nega uma doutrina que a Bíblia afirma — a punição eterna. O universalismo é tão antigo quanto o próprio cristianismo. Já no terceiro século da história da igreja, o mais eminente membro da famosa escola catequética de Alexandria dizia que todas as almas, inclusive o diabo e os demônios, conseguirão unir-se a Deus, mediante um sofrimento purificador. Orígenes nasceu em 186 e morreu 68 anos depois (254).

    Todavia, em dois mil anos de história, nenhum dos três ramos do cristianismo — a Igreja Católica Romana, a Igreja Ortodoxa e a igreja protestante — se abriu ao universalismo.

    E ai vamos dialogar sobre o assunto.rs abs.

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  6. Oi Nilo!

    Agora você me tentou aos limites!!! Esse tema (universalismo) daria elementos para um interminável diálogo - não é à toa que o diálogo tem se estendido há dois milênios de cristianismo!

    Há muitos problemas nas afirmações contidas no texto da Ultimato que você postou acima, e todos eles são dignos de uma discussão aqui; entretanto, gostaria de, agora, me ater a apenas uma das afirmações do texto:

    "Todavia, em dois mil anos de história, nenhum dos três ramos do cristianismo — a Igreja Católica Romana, a Igreja Ortodoxa e a igreja protestante — se abriu ao universalismo."

    Quem, em nome do bom senso histórico, escreveu um absurdo desses? Eu respondo: ou alguém que realmente não conhece a história cristã, ou alguém que abertamente prefere omitir fatos históricos importantes para favorecer suas próprias visões teológicas. O mais engraçado é o fato de ele se contradizer, quando fala sobre Orígenes, por exemplo, e sepois diz que a igreja nunca se "abriu" (seja lá o que ele quis dizer com isso!) ao universalismo.

    Fato: o universalismo foi uma realidade ativa entre as escolas teológicas da igreja oriental, especialmente até o século IV de nossa era.

    Fato: o universalismo decai a partir de Agostinho e sua teologia de pecado original e condenação.

    Fato: o universalismo continua presente na teologia de vários grupos cristãos orientais através dos séculos.

    Fato: o universalismo tem estado presente na teologia de vários grupos protestantes através dos séculos desde a Reforma (universalistas, unitaristas, anabatistas, quacres, moravianos, anglicanos, metodistas, congregacionais, batistas). Mais explicitamente, não se pode esquecer da Igreja Universalista da América, uma denominação protestante fundada no século XVIII, hoje unida às igrejas unitaristas e à Igreja Unida de Cristo. Logo, como se pode afirmar que o universalismo nunca foi aceito pelo protestantismo? Ele tem sido parte inseparável da história protestante, aparentemente, não da história do protestantismo brasileiro - mas isso já é outra história!

    Continuamos essa conversa depois!!!

    Grande abraço, e paz!

    +Gibson

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  7. Nilo,

    Sobre unitaristas no Brasil:

    Tenho de fazer uma observação importante aqui. Os unitaristas brasileiros, historicamente presentes em Pernambuco, são unitaristas clássicos, isto é, cristãos protestantes liberais. Os chamados por alguns de universalistas-unitários (uma tradução infeliz de Unitarian Universalists) são uma tentativa de se aplicar os princípios do movimento universalista-unitarista (uma união de igrejas unitaristas e universalistas, em sua maioria não mais identificadas como cristãs) a uma religiosidade brasileira. Nós temos muitos princípios em comum, mas não somos a mesma coisa.

    No Brasil, há apenas duas congregações unitaristas, a de Pernambuco e a de Brasília. Ambas as congregações são "igrejas de imigração". A Congregação Unitarista de Pernambuco foi fundada em 1933 por americanos (juntamente com outras no Rio, em Santos e em Porto Alegre - que se desfizeram com o passar do tempo), e a de Brasília é apenas uma extensão da de PE (é uma congregação exclusivamente em inglês), enquanto a de PE também oferece serviços em português. Apesar de termos só duas congregações, temos unitaristas em várias partes do país, o que amplia nosso ministério.

    Você verá a palavra "unitária(o)" sendo usado em alguns lugares, mas esta não é uma designação apropriada para nossa tradição. Nós nos chamamos de "unitaristas" (e não "unitários").

    Os batistas gerais britânicos vivem dentro da Assembleia Geral das Igrejas Unitaristas e Cristãs Livres e da Associação Cristã Unitarista, além da Igreja Presbiteriana Não-Subscrita da Irlanda do Norte. Sua organização não possui um website.

    Outros batistas liberais que têm muito em comum conosco são mais ativos nos EUA. De qualquer forma, você pode encontrar links na seção de links deste blog.

    The Riverside Church, conhecida como a catedral do cristianismo liberal nos EUA - http://www.theriversidechurchny.org/

    Park Road Baptist Church - http://www.parkroadbaptist.org/

    The Alliance of Baptists - http://www.allianceofbaptists.org/

    The Cooperative Baptist Fellowship - http://www.thefellowship.info/

    Covenant Church - http://www.covenanthouston.org/

    The Association of Welcoming and Affirming Baptists - http://www.wabaptists.org/

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  8. Gibson amigo quanto tempo. Lancei um livro modesto sobre os batistas:Do Confronto ao Diálogo o estilo batista de ser e a questao ecumenica no Brasil. Esta no site da saraiva e da fonte editorial abs

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  9. Nilo,

    Mutio legal, meu caro. Já encomendarei o meu!

    Grande abraço!

    E para quem tiver interesse:

    http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4894246

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