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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sobre a Ortodoxia (trechos) - James Freeman Clarke


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A maioria, em qualquer lugar, está apta a se chamar de ortodoxa, e a chamar seus oponentes de hereges. Mas a maioria em um lugar pode ser a minoria em outro. A maioria em Massachusetts é a minoria em Virgínia. A maioria na Inglaterra é a minoria em Roma ou em Constantinopla. O Arcebispo de Cantuária, o Primaz de toda a Inglaterra, deu ao senhor Curzon uma carta de apresentação ao Patriarca de Constantinopla, o líder da Igreja Grega. Mas o Patriarca nunca havia ouvido falar do Arcebispo de Cantuária, e perguntou: "Quem é ele?"

Todavia, é um argumento muito comum que tal e tal doutrina, sendo abraçada pela grande maioria dos cristãos, deve ser necessariamente verdadeira. "É possível", dizem, "que a grande maioria dos cristãos estivessem agora, e por muito tempo, em erro em uma doutrina tão fundamental como esta?" Até mesmo um homem tão inteligente quanto o Dr. Huntington, parece ter sido grandemente influenciado por este argumento ao se tornar trinitarista.

O mesmo argumento tem levado muitos protestantes à Igreja Católica. E, sem dúvida, há uma verdade no argumento - uma verdade, de fato, que está implícita em toda a obra presente - que doutrinas assim defendidas por grandes multidões durante longos períodos não podem ser completamente falsas. Mas isso não prova, de forma alguma, que sejam plenamente verdadeiras. De outra maneira, a verdade mudaria com a mudança da maioria. Em um século os arianos teriam estado certos. Ademais, a maioria dos que aderem a uma doutrina não a examinaram, e não têm nenhuma opinião definida concernente a ela. Eles a aceitam, como lhes é ensinada, sem refletir. E novamente, a maioria das verdades estão, no princípio, na minoria.

O Cristianismo, no primeiro século, estava em uma minoria muito reduzida. O Protestantismo, no tempo de Lutero, estava no cérebro e coração de um homem. Pensar, portanto, que a Ortodoxia, ou a verdadeira crença, seja aquela da maioria, é impedir todo progresso, censurar toda nova verdade, e resistir a revelação e inspiração de Deus, até que tenha conquistado para si o apoio da maioria da humanidade.

De acordo com este princípio, como o Cristianismo ainda é uma minoria quando comparada ao paganismo, todos nós devemos nos tornar seguidores de Boodh. Tal perspectiva não pode ser examinada seriamente nem por um momento. Todo profeta, mestre, mártir, e campeão heroico da verdade passou sua vida e ganhou a admiração e grato amor do mundo por oporem-se à maioria em favor de alguma verdade negligenciada ou impopular.

Clarke, James Freeman. 1866

Manual de Crença Unitarista - James Freeman Clarke, 1884

Prefácio

Como unitaristas não possuem credos, e como sua união é uma união de simpatia e cooperação, e não de fórmulas, ninguém entre eles tem qualquer direito de definir as opiniões dos outros. Um Manual como este tem o objetivo de simplesmente expressar aquilo que, na opinião do autor, seja a crença geral da maioria dos unitaristas. Cada proposição contida nele está suscetível a discussão, correção, e revisão. Ninguém está preso a ele; e ele não tenta limitar o pensamento, mas tenta, em vez disso, estimular e incitar a investigação.

Este Manual tem a intenção de se tornar um tema de discussão, e ajudar o professor das aulas da escola dominical, provendo, para ele mesmo e para seus alunos, tópicos para discussão.


LIÇÃO I.
RELIGIÃO NECESSÁRIA AO HOMEM.

§ 1. A RELIGIÃO pode ser definida como a adoração e serviço a Deus. É necessária porque o homem é frágil, e necessita do poder Divino para dar-lhe força; é ignorante, e necessita da luz Divina para guiá-lo; é pecador, e necessita da misericórdia Divina para dar-lhe paz; é mortal, e necessita de fé em coisas invisíveis e eternas para dar-lhe a esperança de contínua existência.

§ 2. Que a religião seja natural ao homem parece óbvio do fato de que, seja numa forma elevada ou rebaixada, tem sido encontrada entre todas as raças e nações, entre povos civilizados e selvagens, em épocas antigas e modernas.

§ 3. Os seguintes elementos na alma constituem a base da religião: o senso de dependência (veja § 1.); a consciência, ou o senso de certo e errado, dando as ideias de dever e responsabilidade; a razão, ou a faculdade que percebe as leis universais e necessárias;* a aspiração, que tende para o bem, o belo, e o verdadeiro, e é a base da adoração.

§ 4. Religião natural é aquela que é desperta pela visão da ordem e beleza da natureza, de suas adaptações ao uso dos seres vivos, de sua variedade e unidade; elevando a mente ao conceito de um Ser Supremo, perfeito em poder, sabedoria, e bondade.

§ 5. Religião revelada consiste das revelações da verdade Divina feitas às almas de homens inspirados, produzindo, assim, legisladores, profetas, e líderes espirituais para a raça humana.

LIÇÃO II.
CRISTIANISMO.

§ 6. O Cristianismo é a religião ensinada por Jesus e seus Apóstolos, como registrado no Novo Testamento. Fundada por Jesus, esta religião tem continuado até o presente tempo, e ainda é a fé professada por aquelas nações do mundo que são as mais avançadas em civilização.

§ 7. Todos aqueles nascidos e educados em terras cristãs são cristãos; da mesma forma como todos os nascidos e educados na Inglaterra são ingleses, e na América são americanos. Sem nossa própria escolha, recebemos uma influência das circunstâncias e instituições que nos cercam em nossa infância e juventude. Somos inconscientemente educados por instituições cristãs para certos hábitos de pensamento e sentimento cristãos. Quando lemos a vida e ensinamentos de Jesus, encontramos neles algo que alimenta a natureza moral e espiritual, e satisfaz as maiores necessidades da alma. Então, acreditamos consciente e experimentalmente nele, porque ele nos ajuda a sermos bons e a fazermos o bem.

Quando podemos comparar o caráter e verdade de Jesus com aqueles de outros professores e mestres, como Moisés, Confúcio, Buda, Mohammed, Sócrates, se encontrarmos nele uma maior profundidade e plenitude da vida espiritual do que em qualquer outro, acreditaremos intelectualmente nele como o melhor dos professores e mestres.

§ 8. As duas grandes divisões da Igreja Cristã neste país são a Protestante e a Católica Romana. Os Unitaristas acreditam que o Protestantismo esteja mais de acordo com o ensino de Jesus, e também o encontramos mais frequentemente associado com o livre pensamento, com o progresso social, e com as instituições liberais.

LIÇÃO III.
UNITARISMO.

§ 9. Os Unitaristas, estritamente falando, são aqueles cristãos que rejeitam a doutrina eclesiástica da Trindade, e que não acreditam que Jesus seja Deus Filho, igual ao Pai, ou que ele seja o Ser Supremo.

Os unitaristas também geralmente rejeitam o sistema de doutrinas conhecido como ortodoxo, como veremos no curso deste Manual. Como essas doutrinas constituem um sistema lógico, do qual a doutrina da Trindade é a pedra angular, quando esta é removida, o arco desaba.

§ 10. Aqueles que aceitam a crença unitarista deveriam abertamente professá-la e deveriam se unir em igrejas unitaristas, pois, se acreditamos que Jesus não era o Ser Supremo, e que ele ensinou que não era, devemos declarar abertamente esta convicção. Se, de acordo com Cristo e seus Apóstolos, não há um Deus tal como a "Trindade", deve ser errado parecer adorar este Deus, que é desconhecido nas Escrituras do Novo Testamento. Ademais, sabe-se que onde quer que igrejas unitaristas sejam estabelecidas, elas se tornam centros de movimentos em favor da educação, filantropia, e reformas sociais.

LIÇÃO IV.
A BÍBLIA.

§ 11. Unitaristas consideram a Bíblia como um livro sagrado, pois é pleno de elocuções de almas inspiradas. Ela nos traz para junto de Deus, nos pondo em comunhão com as experiências mais profundas e elevadas da humanidade.

§ 12. Cremos que a Bíblia seja um livro inspirado porque está repleto de pensamentos que vieram aos homens por inspiração. Os Salmos, o Livro de Jó, Isaías, os escritos de Paulo, e as palavras de Jesus não resultaram de simples pensar, mas vieram de uma região mais elevada que a razão reflexiva.

§ 13. Mas, apesar de considerá-lo um livro inspirado, os unitaristas também consideram a Bíblia como vindo não apenas de Deus, mas também do homem. Está repleta de experiência, dor, alegria, tentação, pecado, arrependimento, confiança, esperança, e amor humanos. Vindo dos lugares mais profundos do coração do homem, ela vai aos lugares mais profundos. Ela tem seus pontos altos e baixos, seus topos elevados e seus vales profundos. É humana, e portanto, falível. Escrita por muitos homens e em diferentes épocas, de variadas aplicações e valores. Há pouco que nos seja edificante no Livro de Levítico ou no Livro de Apocalipse. Nossas Bíblias naturalmente não se abrem lá, mas nos Salmos, no Sermão da Montanha, nas parábolas de Jesus, nas ardentes elocuções da alma de Paulo.

§ 14. Unitaristas não acreditam na infalibilidade da Bíblia. A inspiração leva a uma visão da verdade e realidade, mas não necessariamente a uma descrição perfeitamente correta do que é visto. Mas esses erros de expressão não diminuem a autoridade da Bíblia como uma professora da melhor verdade moral e espiritual.

§ 15. Unitaristas também veem uma diferença nos ensinamentos morais e religiosos de diferentes partes da Bíblia. O Antigo Testamento ensina uma doutrina diferente da ensinada no Novo a respeito de Deus, do dever, e da imortalidade. A verdade se desvenda gradualmente aos olhos humanos; e a raça humana pode dizer, como Paulo disse: "Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei adulto, deixei o que era próprio de criança" (1 Coríntios 13:11). As objeções unitaristas à doutrina da inspiração plenária e infalível da Escritura são as seguintes:
(a) A Escritura em nenhum lugar afirma ou supõe infalibilidade. Os textos nos quais geralmente se apoiam (2 Timóteo3:16 e 2 Pedro 1:21) ensinam que os Profetas e Apóstolos foram inspirados, mas não afirmam que sua inspiração os tornara infalíveis.
(b) A Escritura contém erros e contradições que são fatais à teoria de sua infalibilidade. Mas se sua autoridade consiste em ser mais plena de verdade e bondade que qualquer outro livro, então seus erros de detalhes não podem abalar seu poder divino sobre a mente e o coração.
(c) O Apóstolo Paulo distintamente declara a natureza parcial, provisória, e temporária daquilo que ensina. Tendo dito (I Coríntios 2:10-16) que ele é inspirado e guiado pelo Espírito a conhecer e falar a verdade cristã, ele acrescenta, na mesma Epístola (I Coríntios 13:8-12), que todo conhecimento, até onde somos capazes de declará-lo, é parcial, relativo, e incompleto, e desaparecerá.
LIÇÃO V.
CRENÇA A RESPEITO DE DEUS.

§ 16. Unitaristas creem que Deus é único - um ser e uma pessoa. Creem que Deus é infinitamente sábio, santo, e bom; que ele é onipotente e onipresente; que seu maior atributo é o amor, e que seu melhor nome é "Pai". A crença unitarista a respeito de Deus pode ser expressa nas palavras do Novo Testamento. Por exemplo,

(a) Sobre sua unicidade. Marcos 12:29: Jesus respondeu: "O primeiro mandamento é este: Ouça, ó Israel; o Senhor nosso Deus é um Senhor". I Coríntios 8:4: "Sabemos... e não existe outro deus a não ser o Deus único". I Coríntios 8:6: "Contudo para nós existe um só Deus: o Pai". Gálatas 3:20: "Deus é um só". I Timóteo 2:5: "Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem que se entregou para resgatar a todos". Efésios 4:6: "Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos...".
(b) Que este Deus único é o Pai. João 17:3: Jesus, orando ao Pai, diz: "A vida eterna é esta: que eles conheçam a ti, O ÚNICO DEUS VERDADEIRO, e aquele que tu enviaste, Jesus Cristo. João 10:29: "O Pai, que tudo entregou a mim, É MAIOR DO QUE TODOS". João 14:28: "...Eu vou para o Pai, POIS O PAI É MAIOR DO QUE EU".
(c) Que Deus o Pai é onipotente, onipresente, e onisciente. Atos 17:27: O Senhor "não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos". I Coríntios 8:6: "...um só Deus: o Pai. DELE TUDO PRECEDE...". 1 Coríntios 15:28: "E quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, PARA QUE DEUS SEJA TUDO EM TODOS". Romanos11:36: "Porque todas as coisas vêm dele, por meio dele e vão para ele". Efésios 4:6: "Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos".
(d) Que Deus é essencialmente amor, e que ele ama todas as suas criaturas, tanto más quanto boas. 1 João 4:16: "...Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele”. Mateus 5:44-45: "...amem os seus inimigos... Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu, porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos”. I João 4:8: "Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”.
LIÇÃO VI.
A TRINDADE.

§ 17. A doutrina da Trindade, como declarada nos credos de todas as assim-chamadas igrejas ortodoxas, é esta: que há três pessoas na Divindade – o Pai, o Filho, e o Espírito Santo – e que esses três são um Deus, o mesmo em substância, iguais em poder e glória, mas distintos pelas propriedades pessoais. O Credo Atanasiano é a fórmula mais distinta desta doutrina. Ele diz: “E a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem dividir a substância. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; Mas uma só é a divindade do Pai e do Filho e do Espírito Santo, igual a glória, coeterna a majestade”.Esta doutrina ensina que o Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus; e ainda assim, não há três Deuses, mas um Deus. Cada um pode ser adorado separadamente. Cada um tem um trabalhado e um ofício separado, que não devem ser confundidos com aqueles dos outros, pois esta seria a heresia de Sabélio, que confundiu as pessoas. Mas não devemos dizer que eles são três pessoas, como Pedro, Tiago, e João; pois isto seria dividir a substância, que é outra heresia fatal.

Veja o “Catecismo de Westminster”, que é o credo da igreja Presbiteriana; o Credo Atanasiano, ainda lido ou cantado quatro vezes por ano na Igreja da Inglaterra; a Confissão de Augsburgo; e os credos de outras denominações ortodoxas.

§ 18. Os unitaristas rejeitam a doutrina eclesiástica da Trindade:
(a) Porque é ininteligível. Apesar de muitas tentativas terem sido feitas para explicá-la, nenhuma se provou satisfatória. Ela, portanto, permanece, mesmo pela admissão de seus defensores, um mistério; e um mistério é algo ininteligível, e, portanto, não pode ser um objeto de crença.
(b) Porque a doutrina da Trindade não é claramente ensinada em nenhum lugar do Novo Testamento. Isto é admitido por muitos trinitaristas honestos. Assim, Neander, um trinitarista, diz a respeito dessa doutrina: “Não é expressamente ensinada em nenhuma passagem particular do Novo Testamento” (História da Igreja, tradução de Torrey, vol. I. p.572.). Muitos testemunhos como esse podem ser invocados.
(c) Porque os textos citados em apoio à Trindade são inadequados ou irrelevantes. O famoso texto das Três Testemunhas foi demonstrado, de modo convincente, ser uma interpolação, que foi rejeitado pela maioria dos trinitaristas e omitido na Versão Revisada. A Fórmula Batismal (Mateus 28:19) e a Benção (2 Coríntios 13:13) são passagens frequentemente citadas como provas da Trindade. Mas em nenhuma delas é declarado que o Filho é Deus, ou que o Espírito Santo seja uma pessoa, ou que esses três sejam o supremo Deus único. Que essas passagens sejam constantemente citadas como provas da doutrina da Trindade mostra que nenhuma prova textual real pode ser encontrada no Novo Testamento. Elas podem parecer implicá-la para alguém que já acredita naquela doutrina; mas para aqueles que não acreditam nela, elas parecem um resumo da verdade que procede do Pai, o único Deus verdadeiro, por meio de Jesus Cristo, seu santo filho e o mediador de seu amor, e tornada parte da alma e vida pela influência interior do Espírito Divino.
(d) Porque há muitos textos no Novo Testamento, claramente opostos à doutrina eclesiástica da Trindade. Tais são os textos nos quais o Pai é chamado de único Deus; o que não poderia ser dito se o Filho também for Deus, e o Espírito Santo também for Deus. 1 Coríntios 8:5, 6: "É verdade que existem aqueles que são chamados deuses, tanto no céu como na terra, e neste sentido há muitos deuses e muitos senhores. Contudo, para nós existe um só Deus: o Pai”. Efésios 4:6: "Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos”. João 17:3: Jesus ora ao Pai, dizendo: “Pai, chegou a hora!”, e imediatamente adiciona: “Ora, a vida eterna é esta: que eles conheçam a ti, o único Deus verdadeiro...”. Efésios 5:20: O Apóstolo diz aos efésios que eles “agradeçam sempre a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Se o Filho fosse Deus, e se o Espírito Santo fosse Deus, seria nosso dever orar a eles também. Mas é ensinado que todas as orações sejam dirigidas ao Pai. Veja também Mateus 6:9; João 4:23, 16:23.
(e) Porque sabemos quando e onde a doutrina da Trindade começou, e como ela gradualmente tomou forma. No famoso Prólogo ao seu Evangelho, João opõe a ideia de que o Logos, ou Palavra, fosse qualquer outra coisa além do próprio Deus. A Palavra, ele nos diz, é Deus falando, primeiro, na criação - “Por meio dela”, Deus falando, “tudo foi feito”. Ele se refere aqui, sem dúvida alguma, às frases comuns do Antigo Testamento – Deus disse: “Haja luz”; “A Palavra do Senhor veio a Isaías”; etc. Segundo, a Palavra é Deus falando na alma – "Aquela era a luz verdadeira que ilumina todo homem que vem ao mundo”. Terceiro, a Palavra é Deus revelado em Jesus - “A Palavra se fez homem e habitou entre nós”. Ele, assim, ensina que como Deus fala na criação e fala na razão humana, ele também fala em Jesus mais clara e plenamente. Mas, como para evitar a possibilidade de ser entendido como se tivesse dito que Cristo era Deus quando ele, na verdade, diz que Deus está em Cristo, ele adiciona: “Ninguém jamais VIU a Deus”.
Este conceito de Cristo como um Logos, ou Palavra de Deus, ou uma revelação de Deus, continuou a ser ensinada até o tempo do Sínodo de Niceia (325 A.D.). o Credo Apostólico, que em sua substância data de um período muito antigo na história cristã, não contém nenhum traço da doutrina da Trindade. Ele chama Deus de “Pai onipotente, Criador do céu e da terra”. O Credo Niceno, em sua forma original, não conhece nada a respeito da Trindade. Ele chama Jesus de “Deus”, mas fala dele como Deus de Deus, significando “Deus derivado de Deus”, e assim torna sua divindade derivada e dependente. E não foi até o ano 380, depois de muita controvérsia e disputas partidárias, que a doutrina da Trindade foi estabelecida na Igreja. No ano 383, Teodósio, o Imperador, ameaçou punir todos os que não aceitassem esta doutrina.
LIÇÃO VII.
JESUS CRISTO.*

§ 19. Unitaristas creem que Jesus é um ser criado, finito e não infinito, e, portanto, inferior ao Ser Supremo em sua natureza e pessoa. Alguns, chamados Arianos, pensam que ele foi criado antes de todos os outros seres finitos; mas esta visão é mantida por poucos, e parece ter sido apenas uma crença transitória. É apoiada por poucos textos que chamam Cristo de “o primogênito, anterior a qualquer criatura”, o ser por meio do qual todas as coisas foram criadas, etc (Colossenses 1:15, 16). Esses textos, contudo, parecem exigir uma explicação diferente para que sejam consistentes com as numerosas outras passagens nas quais o mesmo autor chama Cristo de “o homem Cristo Jesus” (I Timóteo 2:5). Os unitaristas, portanto, geralmente veem Jesus como um homem, humano na alma e no corpo; ou, como a Epístola aos Hebreus expressa, “teve que ser semelhante em tudo a seus irmãos” (Hebreus 2:17).

Alguns unitaristas acreditam que apesar de Jesus ter sido um homem, inteiramente humano na mente e no corpo, ainda assim ele foi um homem excepcional, feito livre do pecado e permanecido assim por uma excepcional influência Divina, tornado perfeito em todos os atributos espirituais e morais, para que ele fosse o líder de sua raça. Nesta perspectiva, ele foi dotado de dons sobrenaturais pelos quais ele se distinguia de outros homens.
Outros unitaristas acreditam que Jesus não era tanto um homem excepcional, mas um homem representativo, o tipo de homem como todos deveriam ser. Neste sentido, ele é o homem ideal. Na perspectiva deles, o pecado não é natural, é não-natural, e um homem sem pecado é mais verdadeiramente um homem do que seria um pecador. Eles também acreditam que todos os homens crescerão à estatura de Jesus, e se tornarão como ele, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Eles alegam que o homem típico não é o imperfeito, mas o homem perfeito, assim como a planta ou animal típicos, de qualquer espécie, não é um espécimen imperfeito, mas um perfeito. Qualquer outro ponto de vista, dizem eles, leva-nos de volta a doutrina da depravação natural.

§ 20. Como as Escrituras frequentemente chamam Jesus de o Filho de Deus, mas nunca o chamam de Deus o Filho, os unitaristas acreditam que ele tenha sido o Filho no sentido de uma união íntima com Deus e dependência dele. Quando Jesus disse: “O Pai e eu somos um” (João 10:30), sua intenção deve ter sido dizer um em simpatia, e não um em essência; já que ele orou (João 17:11) para que seus discípulos fossem um como ele e o Pai eram um. Ele certamente não podia ter tido a intenção de pedir que seus discípulos fossem um em essência.

§ 21. Os unitaristas acreditam que a grande glória de Jesus seja sua glória espiritual e moral. Sua verdadeira grandeza estava em sua devoção à vontade Divina, sua simpatia com o sofredor, a sua disponibilidade para desempenhar os ofícios mais simplórios e suportar uma morte vergonhosa para salvar a humanidade do poder do mal e do pecado. Tudo isso é continuamente expresso no Novo Testamento, em passagens semelhantes àquela em Filipenses 2:5-10. Nesta passagem, o Apóstolo exorta seus discípulos a terem a mesma mente que estava em Jesus, que, sendo a principal manifestação no mundo do caráter Divino, não se agarrou ambiciosamente à honra daquela elevada posição, mas estava disposto a morrer a morte de um escravo a serviço da humanidade; e ele adiciona: “Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o nome que está acima de qualquer outro nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho... e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai”. Esta passagem, frequentemente citada como prova textual pelos trinitaristas, é um argumento em favor das perspectivas unitaristas a respeito de Jesus. Pois, apesar de atribuir a ele as maiores honras, declara que todas elas são dadas a ele por Deus, que ele é exaltado por Deus, e que esta grande autoridade é “para a glória de Deus Pai”. E também atribui a origem de toda essa glória, não à natureza divina de Jesus, mas à sua humildade de caráter.

§ 22. Embora os unitaristas não acreditem ser correto chamar Jesus de Deus, não fazem nenhuma objeção ao epíteto “divino”. Ele foi um homem divino, e não um Deus humano. Todos concordam que ele revelou Deus como Pai, como Amor, como Bondade Infinita, como Providência perfeita. Ele foi a imagem do Deus invisível; ele foi a Palavra de Deus pronunciada ao mundo; aquele que o viu, viu o Pai; Deus habita nele, e ele em Deus. Todas essas expressões ensinam a união íntima de sua alma com o Espírito Infinito, uma intimidade que ele desejava comunicar a todos os outros homens. Notemos que, no Novo Testamento, quase todo atributo Divino usado para Jesus é também usado para seus discípulos. Diz-se que ele “sabia todas as coisas”? Também é dito a eles: “Vocês receberam a unção que vem do Santo, de modo que vocês sabem todas as coisas” (I João 2:20). Diz-se que ele “não tinha pecados”? Também é dito deles: “Todo aquele que nasceu de Deus não comete pecado... não pode pecar, porque nasceu de Deus” (I João 3:9). Cristo realizou milagres? Ele fala de seus seguidores: “Quem acredita em mim fará as obras que eu faço e fará maiores do que estas” (João 14:12). Deus deu a Cristo uma glória que ele tinha antes de o mundo existir? Ele diz a respeito de seus discípulos: “Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste” (João 17:22). Ele ressuscitou dentre os mortos para uma vida mais elevada? Paulo diz: “Se vocês foram ressuscitados com Cristo, procurem as coisas do alto” (Colossenses 3:1); e também diz: “E assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do homem celeste” (I Coríntios 15:49). Cristo veio para julgar o mundo? Diz-se de seus discípulos: “Então vocês não sabem que os cristãos é que vão julgar o mundo?” (I Coríntios 6:2). Deus habitou em Cristo? Está escrito a respeito de seus seguidores: “Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?” (I Coríntios 3:16).

A Escritura, assim, ensina que (1) tudo que Cristo tinha, ele recebeu de Deus e (2) que tudo que ele recebeu, ele recebeu para que pudesse transmitir a seus companheiros.

§ 23. Os unitaristas, portanto, acreditam em Jesus como sendo um homem levantado para ser o mediador da vida divina para seus companheiros; mas não acreditam que ele era Deus:
(a) Porque Jesus sempre fala de si mesmo como sendo um homem, e é sempre assim que dele se fala na Escritura.
(b) Porque não encontramos na Escritura nenhum registro de que uma revelação de sua divindade tenha sido feita a seus discípulos.
Eles consideravam seu Mestre como sendo um homem, porém mais sábio e melhor que eles mesmos. Certamente deveríamos ter encontrado no Novo Testamento algum traço da surpresa e espanto que viera sobre eles se o fato tivesse sido comunicado a eles que seu Mestre era o Supremo Deus.
(c) Porque não encontramos nenhuma oposição feita pelos judeus a esta doutrina. Nada poderia ter parecido mais abominável à mente judaica que dizer que Jesus era o Supremo Jeová. Em uma ocasião, eles falsamente fazem a falsa acusação de que Jesus, sendo um homem, se fez passar por Deus (João 10:33). Jesus, em vez de dizer: “Sim, sou Deus”, responde citando uma passagem do Antigo Testamento, onde aqueles a quem veio a palavra de Deus eram chamados de deuses (Salmos 82:6), e então diz que tinha apenas se chamado de Filho de Deus. Depois disso, essa acusação não foi mais feita pelos judeus. Encontramos muitas acusações feitas contra os Apóstolos, mas nunca são acusados de chamar seu Mestre de o Deus Supremo. Eles foram apenas ordenados a não ensinarem em nome de Jesus (Atos 4:18).
(d) Porque Jesus claramente se distingue de Deus. Veja João 13:3, 16:27; Marcos 10:18; Mateus 27:46; João 17:7.
(e) Porque Deus é chamado de Deus de Jesus Cristo. Veja 2 Coríntios 11:31; Efésios 1:3, 17; Romanos 15:6; 1 Pedro 1:3; Hebreus 1:2, 9.
(f) Porque as Escrituras ensinam que há um Deus, que é distinto do Cristo. Veja 1 Coríntios 8:6; 1 Timóteo 2:5; Efésios 4:5, 6.
(g) Porque os maiores poderes e glória atribuídos a Cristo são dados a ele por Deus. Veja Filipenses 2:9; Colossenses 1:19; Atos 2:36, 3:13, 5:31; Mateus 28:18; João 5:19; Efésios 1:22; etc.
(h) Porque o próprio Jesus ensina sua subordinação a Deus. Veja João 14:28; Mateus 20:23; Marcos 13:32; João 10:29.
(i) Porque Jesus orou a Deus. Veja Lucas 6:12; Mateus 11:25; Lucas 22:42; Hebreus 5:7.
(j) Porque ele nos manda orar, não a ele mesmo, mas a Deus. Veja João 4:23, 16:23; Lucas 11:1, 2.
LIÇÃO VIII.
FÉ E CRENÇA CONCERNENTE A CRISTO.

§ 24. Ter fé em Cristo é confiar nele como uma revelação de verdade e amor. Jesus diz: “Acreditem em Deus e acreditem também em mim” (João 14:1).

§ 25. Jesus pediu que os homens acreditassem nele porque ele sabia que ele claramente via a maneira de ajudá-los. Se eles apenas confiassem nele, ele lhes daria conforto e paz, poria seus pés no caminho certo, e lhes ensinaria a conquistar seus pecados. Se tivermos fé nos sábios, nos bons, nos nobres, nos generosos, também nos tornamos mais sábios, mais nobres, mais generosos; e como Cristo é a alma mais sábia e mais generosa que já conhecemos, a fé nele é a influência mais forte de todas. Sua grande esperança pela vinda de um reino do céu à terra tem inspirado seus discípulos a vencerem os males do mundo. Sua fé no amor paternal de Deus tem trazido conforto aos sofredores e infelizes. Sua fé no triunfo do bem sobre o mal tem preenchido o mundo com uma vívida esperança.

§ 26. Além da fé em Jesus, há uma crença a respeito dele. Formamos essa crença por meio do estudo e da razão. O bom de termos uma crença distinta é que ela salva-nos da dúvida, hesitação, e confusão da mente.

§ 27. Os unitaristas acreditam que os quatro Evangelhos contêm um relato histórico adequado da vida, ensinamentos, e caráter de Jesus. Eles acreditam que ele seja o Cristo, ou Rei, não no sentido de um rei judeu, mas como alguém que é o mestre do mundo pelo poder da verdade que ele ensinou. Parece que ele mesmo teve esta opinião, João 18:37: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade”. Os unitaristas geralmente creem que Jesus realizou obras maravilhosas de cura, mas que é possível que alguns dos relatos nos Evangelhos tenham sido relatados imperfeitamente. Há unitaristas que rejeitam os elementos miraculosos nos Evangelhos e que, ainda assim, creem na liderança de Jesus.

§ 28. Objeções são feitas aos unitaristas, afirmando-se que diferem um do outro em opiniões tão amplamente, que não possuem um credo comum. Os católicos romanos fazem a mesma objeção em se referindo à Igreja Protestante. Mas Deus fez a mente humana de tal maneira que assim que começam a pensar, começam a diferir. Se, portanto, não há diferença de opinião em uma igreja, isso mostra que não há pensamento individual naquela igreja. Os homens pensam da mesma maneira apenas quando não pensam. Isso é aceitação, e não convicção. Tal crença é, na realidade, crença nenhuma, e não tem nenhum valor. A única concordância de opinião que tem valor é aquela harmonia que vem depois de plena e livre investigação a respeito dos assuntos sobre os quais os homens diferem. Só assim podem as questões ser resolvidas; sem tal livre discussão as diferenças são apenas encobertas. A variedade de opiniões entre os unitaristas é, portanto, a evidência do livre pensamento.

LIÇÃO IX.
A OBRA DE CRISTO.

§ 29. Os unitaristas acreditam que Jesus se sentia enviado por Deus para revelar sua verdade (João 18:37) e seu amor perdoador (João 1:17; Mateus 9:2, 6); para buscar e salvar os perdidos (Mateus 18:11; Lucas 19:10); para dar descanso aos cansados e sobrecarregados (Mateus 11:28); para trazer a lei do dever a uma moralidade mais elevada (Mateus 5:18, 20, 21, 27, 33, 39, 44); para se sacrificar pelo bem de outros (Mateus 20:28); para chamar os pecadores ao arrependimento (Marcos 2:17); para pregar boas novas aos pobres, liberdade aos cativos, visão aos cegos, e conforto aos sofredores (Lucas 4:18, 7:22); para revelar o amor Paternal de Deus (Mateus 11:27; João 17:26); e para dar vida espiritual e um senso de imortalidade à humanidade (João 6:40, 47; João 10:10). Entre os unitaristas há, às vezes, diferentes explicações para esses textos; mas todos concordam essencial de Cristo é tornar os homens melhores, mais sábios, e mais felizes neste mundo e no próximo.

§ 30. Os unitaristas acreditam que a obra principal de Cristo é salvar os homens do pecado e mal aqui. Eles não acreditam que sua obra principal seja salvá-los das consequências do pecado na vida além-túmulo.

§ 31. Cristo salvá-nos do poder do pecado por meio de seus ensinamentos, sua vida, e seus sofrimentos. Por seus ensinamentos, ele nos mostra que o certo e o errado estão enraizados na própria natureza das coisas e nas leis do universo. Veja as passagens onde Jesus declara as leis da consequência moral na vida humana. Exemplos: “Quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Mateus 23:12). “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mateus 5:8). “Vocês serão julgados com o mesmo julgamento com que vocês julgarem” (Mateus 7:2). “Toda árvore boa produz bons frutos” (Mateus 7:17). "Pelos frutos deles é que vocês os conhecerão" (Mateus 7:20). Em todos essas passagens, Jesus está declarando a obra de leis eternas.

§ 32. Enquanto os ensinamentos de Jesus manifestam o dever e a necessidade de se fazer o certo, seus exemplos mostram a possibilidade, realidade, e beleza de uma vida dada ao serviço a Deus e ao homem. “Eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz” (João 13:15). “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Filipenses 2:5). Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da lei e dos fariseus, vocês não entrarão no reino do céu” (Mateus 5:20). “Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como um homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha” (Mateus 7:24).

§ 33. Jesus também nos salva do poder do pecado por seus sofrimentos, nos quais estão incluídos não apenas sua morte, mas seus sacrifícios e perseverança durante sua vida. Seu principal sofrimento veio provavelmente de ver o pecado humano e toda infelicidade causada por ele. Sua simpatia estava com os menores e os mais humildes dentre os humanos. Vivendo em plena luz do amor de Deus, ele se devotou ao serviço ao homem, e especialmente ao fraco e pecador. Ele, assim, se torna uma manifestação do amor de Deus, e dá-nos fé na bondade e graça Divina oferecida a cada filho de Deus.

LIÇÃO X.
O ESPÍRITO SANTO.

§ 34. Os unitaristas não acreditam que o Espírito Santo seja uma pessoa separada na Divindade, mas que seja a influência do espírito de Deus na alma humana, para dar vigor, paz, luz, amor. Diz-se que é derramado, dado, etc; expressões que são aplicadas a uma influência, mas não a uma pessoa.

§ 35. Os unitaristas acreditam que essa influência seja dada por uma constante operação, onde quer que o coração humano esteja preparado e pronto para recebê-la. Portanto, os cristão são ordenados a “viver no Espírito”, a “andar no Espírito”, e diz-se que o Espírito “habita neles”. É dado não apenas a Profetas e Apóstolos, a santos e mártires, mas a todo que deseja ajuda para viver vidas melhores.

§ 36. A diferença entre a influência do Espírito de Deus e outras influências que vêm dele é esta: enquanto as outras vêm a nós de fora, por meio da natureza, eventos, e outras pessoas, a influência do Espírito é Deus falando a nós dentro de nossa alma. Entramos em comunhão com Deus exteriormente por meio de suas obras e por meio dos eventos de nossa vida terrena. Entramos em comunhão com ele internamente quando estamos sozinhos, e quando na câmara secreta de nossos corações elevamos nossos pensamentos e desejos, nossos sofrimentos e pecados, ao nosso Pai Celestial.

LESSON XI.
CRENÇA UNITARISTA CONCERNENTE AO HOMEM.

§ 37. Os unitaristas comumente acreditam que em todos os homens há capacidades religiosas, pelas quais podem entrar em comunhão com Deus. Essas são razão, consciência, liberdade, amor à verdade, à beleza, à bondade, o senso do infinito, a capacidade de amor desinteressado; e os sentimentos de veneração, admiração, aspiração, etc. Essas se acham, mais ou menos, desenvolvidas em todos os homens, e onde propriamente educadas e desenvolvidas fazem a verdadeira dignidade e valor da natureza humana. Diz-se (Romanos 1:19-20) que todos os homens têm um conhecimento suficiente de Deus para permitir-lhes obedecê-lo e amá-lo; e em Romanos 2:14 está escrito que os pagãos que nunca tiveram uma lei moral revelada “fazem espontaneamente o que a lei manda”. O caso do romano Cornélio (Atos 10:1) leva Pedro a dizer que os homens bons, em todas as nações, são aceitáveis a Deus (Atos 10:34). Veja também passagens como as Bem-Aventuranças, onde as bençãos do Cristianismo são prometidas ao manso, ao humilde, ao puro de coração, etc.

§ 38. Os unitaristas rejeitam as doutrinas calvinistas do pecado original e da depravação total, da responsabilidade da raça humana pela queda de Adão, e a crença que, até que se converta, o homem esteja sob a ira de Deus. Eles acreditam que se há depravação hereditária, há também bondade hereditária; que frases como “a ira de Deus” são figurativas, e não podem se aplicar à Eterna Bondade. Acreditam que mal hereditário seja infelicidade, mas não culpa, e é ao que Paulo se refere quando fala, duas vezes, do erro involuntário: “portanto, não sou eu que faço, mas é o pecado que mora em mim” (Romanos 7:17, 20).

Que o homem em seu estado natural tem o poder para fazer o certo, e que fazer o certo é agradável a Deus, é evidente em passagens como essas: A parábola do semeador, onde a semente (a Palavra) cai em “terra boa” de um “coração bom e generoso” (Lucas 8:15); as passagens que ensinam que os espíritos das criancinhas veem a Deus, face a face (Mateus 18:10, 19:14); as parábolas do Bom Samaritano e a do Fariseu e do Publicano (Lucas 10:30, 18:9), onde Jesus ordena que as boas qualidades de hereges e párias sejam imitadas. E veja especialmente o relato do Dia do Julgamento, onde os pagãos que fizeram boas ações sem terem ouvido a respeito de Cristo são colocados entre seu rebanho.

§ 39. Quando os unitaristas falam da “dignidade da natureza humana”, não se referem à dignidade do homem em sua presente condição, mas do homem como Deus o desejava que fosse e o fez para que fosse. Encontramos em todos os homens poderes e faculdades que os unem à eternidade. Temos dentro de nós razão, que é capaz de buscar e encontrar as verdades mais nobres. Temos consciência, que nos mostra a diferença entre o certo e o errado. Temos o poder da liberdade, pelo qual podemos escolher o bem e recusar o mal. Temos o senso do belo, do verdadeiro, e do bom; e um anseio pelo imutável e eterno. Esses poderes, que estão em todos os homens, constituem a dignidade da natureza humana, e a torna capaz do progresso eterno.

LIÇÃO XII.
EXPIAÇÃO E RECONCILIAÇÃO.

§ 40. Os unitaristas creem que expiação e reconciliação sejam a mesma coisa. Ambas significam um estado de união e paz entre o homem e Deus; a harmonia entre a justiça Divina e a misericórdia Divina; e a substituição do medo e pavor da ira de Deus, pela confiança e dependência dele.

§ 41. Os unitaristas não acreditam que Cristo veio para reconciliar Deus ao homem, mas para reconciliar o homem a Deus; não para fazer Deus amar-nos, mas para revelar seu amor; não para harmonizar sua justiça e misericórdia, mas para mostrar que elas estão sempre em harmonia. A morte de Cristo não foi um sacrifício para acalmar a ira Divina, mas foi uma expressão do amor Divino. Paulo diz (Romanos 8:32): “Ele não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós. Como não nos dará também todas as coisas junto com o seu Filho?”

LIÇÃO XIII.
CONVERSÃO E REGENERAÇÃO.

§ 42. "Conversão" é a tradução de uma palavra grega que no Novo Testamento significa “mudar de direção”. Quando estamos seguindo o caminho errado, devemos mudar de direção para podermos seguir o caminho certo. A conversão religiosa é quase a mesma coisa que arrependimento. Quando estamos conscientes de que não estamos obedecendo a verdade e que não estamos cumprindo com nosso dever, precisamos mudar de direção e entrar, de vez por todas, num novo caminho. Isso é conversão; e este ato pode se tornar necessário muitas vezes no curso de nossa vida.

§ 43. "Regeneração" é a palavra da Escritura usada para se referir à nova vida que tem sua origem não apenas na visão da lei de Deus, mas também na do amor de Deus. Então, quando vemos o amor de Deus em todas as coisas, nascemos de novo e nos tornamos novas criaturas. Podemos nos afastar de nossos pecados, mas não podemos criar para nós mesmos o novo céu e a nova terra de alegria e amor espirituais. Eles são revelados a nós na alma por uma influência Divina.

Um homem convertido é um que se determinou a fazer o certo e começou a fazê-lo. O homem regenerado é aquele no qual o hábito de fazer o certo está estabelecido, aquele que passou a amar esse hábito, e para o qual fazer o certo não exige nenhum esforço.

LIÇÃO XIV.
ORAÇÃO.

§ 44. A oração é se virar para Deus e falar com ele, com plena confiança de que ele nos ouvirá. Esse é o cerne da oração. Uma confiança ativa e esperançosa abre a alma de maneira tal que sua vida flui e nos dá força. Jesus diz: “Peçam, e lhes será dado. Procurem, e encontrarão. Batam, e abrirão a porta para vocês. Pois todo aquele que pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, a porta será aberta” (Mateus 7:7, 8).

Quando os discípulos vieram a seu Mestre, e disseram: “Senhor, ensina-nos a orar”, sua resposta veio nas palavras que até hoje chamamos de “Pai Nosso” (Lucas 11:2-4). A primeira preparação para a oração é desejar amar e servir a Deus. Se não encontramos este desejo em nossos corações, devemos examinar-nos para ver o que está errado com nosso desejo, e devemos pedir a Deus que nos ajude a alcançarmos um estado de mente e coração correto.

Para orar corretamente, devemos ser sinceros. Jesus diz: “Deus é espírito, e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade” (João 4:24). Não devemos dizer com nossos lábios a oração que não sentimos em nosso coração. Quando estamos felizes, nossa alegria pode fluir para o Amigo Celeste de quem todas as nossas bençãos vêm; quando estamos infelizes, podemos orar ao mesmo Amigo amoroso por conforto. Quando estamos distantes de Deus, devemos orar para sermos trazidos de volta; e quando tivermos pecado, não encontraremos nenhuma paz até que tenhamos pedido a nosso Pai para perdoar-nos e ajudar-nos a sermos seus filhos obedientes novamente.

§ 45. Objetos de Oração: Os principais objetos de oração são espirituais. Pedimos a Deus força, paz, pureza, amor – ou seja, o Espírito Santo. Sabemos que para cumprir qualquer dever eficazmente, ele deve ser cumprido no espírito certo. Mas não podemos obter sempre um espírito correto por um esforço da vontade. Podemos estar deprimidos, ou ansiosos, ou irritados. Nesse caso, esse mau espírito entrará em nossas palavras e ações, e nos impedirá de exercitar a boa influência que realmente temos no coração. Mas se abrirmos nossa alma a Deus, e pedirmos que ele nos ajude a nos sentirmos bem para que façamos o certo, podemos ter certeza que essa ajuda virá.

Podemos também pedir por bençãos externas? Algumas pessoas boas e sábias pensam que não devemos. Elas consideram isso algo egoísta para se fazer, e elas também pensam que isso é pedir que Deus suspenda a ação de suas leis universais. Outras, entretanto, dizem que podemos pedir a Deus qualquer coisa que desejarmos, e que Deus deseja que o façamos; da mesma maneira como um bom pai e uma boa mãe gostam que seus filhos lhes tragam os desejos de seus corações. Só que, nesses casos, devemos pedir em submissão, como Jesus fez: “Contudo, não seja feito como eu quero, e sim como tu queres” (Mateus 26:39). Também devemos pedir “em seu nome”. Isto, entretanto, não significa repetir as palavras “por Jesus Cristo”, como se essas palavras tivessem algum poder mágico. Mas “o nome de Cristo” significa o espírito de Cristo. Devemos pedir no espírito de Cristo, não egoisticamente, mas incluindo o bem de outros em nossa oração.

§ 46. Tempo para Oração: pode ser bom ter horas fixas para a oração, por exemplo, o início do dia, quando reiniciamos os deveres da vida, e precisamos voltar a eles num espírito correto; e o final do dia, quando podemos olhar para o que passou e agradecer a Deus pelo que ele nos ajudou a ser e fazer, e pedir seu perdão por nossas faltas. Também é desejável orar, mesmo que por um curto momento, antes de qualquer trabalho que exija preparação para que seja feito corretamente.

§ 47. Resposta à Oração: alguns unitaristas acreditam que a única resposta à oração seja a boa influência que o pensamento a respeito da presença de Deus exerce sobre a alma. Nesse sentido, a oração é o mesmo que contemplação, ou meditação. Outros, entretanto, acreditam que por meio de uma lei do governo Divino, a oração ponha a alma em uma relação de tal forma com Deus que podemos receber uma influência direta dele. Esta lei exige que peçamos como condição para recebermos alguma benção especial, para que não recebamos a não ser que peçamos em oração. Isso cria uma verdadeira comunhão entre Deus e a alma.

LIÇÃO XV.
A IGREJA.

§ 48. Os unitaristas creem que a Igreja seja um união daqueles que se reúnem para ajudarem-se mutuamente a viver uma vida cristã. O caráter essencial de uma igreja é declarado por Jesus quando ele diz: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mateus 18:19, 20). Reunir-se “em nome de Cristo” é reunir-se em seu espírito, para fazer sua obra. Orar “em seu nome” é orar no mesmo espírito no qual ele orou. “Em nome de um profeta, ou de um justo” (Mateus 10:41) significa num espírito de simpatia com o profeta ou o justo. Os judeus davam mais importância a um nome do que nós damos. Nós o consideramos como um acessório acidental; eles davam nomes como indicativos de caráter.

§ 49. Os unitaristas creem que a obra da Igreja seja reformar os imperfeitos, educar os ignorantes, fortalecer os fracos, e cooperar com todas as tentativas de elevar e melhorar a sociedade. Por essa razão, eles aguardam o tempo no qual todas as igrejas se unirão com o propósito de fazer o bem, para que finalmente o reino de Deus venha, e para que sua vontade seja feita na terra como no céu.

§ 50. Os unitaristas geralmente aceitam as duas ordenanças de Batismo e da Ceia do Senhor, não como essenciais para a vida espiritual, mas como ajuda para ela. Consideram ambas não como fins, mas como meios. Elas as consideram como símbolos naturais e imagens externas de sentimentos e propósitos internos. Se praticadas meramente como formas, sem essa aplicação interna, seu valor desaparece.

§ 51. O batismo, ou a aplicação exterior de água, expressa o desejo de que a criança ou o adulto batizado seja cercado por aquelas influências cristãs externas que conduzem à pureza de caráter e conduta. A água é o símbolo natural de pureza. Quando Jesus lavou o pé de seus discípulos, ele expressou esse pensamento, e acrescentou que os discípulos também deveriam lavar os pés uns dos outros, ou seja, que eles deveriam ajudar-se mutuamente a limpar-se das manchas do pecado. Ao batizar crianças os unitaristas não querem expressar uma crença de que este ato externo possa ter qualquer efeito na alma da criança. Nenhum unitarista aceita a doutrina da Regeneração pelo Batismo. Mas, por meio deste rito, expressamos nossa crença de que a criança já seja amado por Deus, e a batizamos como uma expressão de nosso desejo de que ela possa ter a ajuda que vem da união com a Igreja Cristã, e nosso desejo de que seus pais e todos os outros sejam fiéis em cercá-la com influências cristãs, e educá-la na vida cristã.

§ 52. A Ceia do Senhor, ou o partilhar do pão e vinho em grupo, é um sinal da irmandade cristã. Também simboliza as influências interiores do cristianismo, assim como o Batismo é um tipo de influência exteriores. O pão era um símbolo de força, e o vinho, de alegria. A Ceia do Senhor é um banquete de comunhão, ou irmandade. Ela também nos relembra a morte de Cristo pelo bem de toda a humanidade. É, assim, uma refeição memorial, e tem uma tendência a produzir e manter um senso vívido de nossa relação pessoal com Jesus como um mestre e amigo. Comer sua carne e beber seu sangue significa, na linguagem oriental, tornar seu ensinamento e seu caráter uma parte de nossa própria vida. Os unitaristas geralmente convidam todos aqueles que desejam lembrar Jesus a se unirem a eles neste ofício. Eles não a consideram como destinada a membros da igreja apenas, ou apenas para cristãos professos, mas para todos que amam Jesus e desejam expressar seu amor por meio da comunhão com os amigos dele. Essas duas ordenanças da Igreja Cristã, tendo sido continuadas desde o começo, une sucessivas gerações de cristãos umas com as outras e com seu Mestre comum.

§ 53. Os unitaristas na Nova Inglaterra, tendo se originado entre os congregacionalistas, são independentes em sua forma de governo eclesiástico, e são, portanto, chamados de congregacionalistas. Cada igreja é independente de outras, apesar de estarem prontas para se unirem em obra e simpatia. Para esses propósitos, elas se reúnem de tempos em tempos em Conferências locais e em uma Conferência Nacional. Em outros lugares, onde as crenças unitaristas surgiram entre os presbiterianos, como no Norte da Irlanda, ou entre os metodistas, como nos Estados do Oeste, os unitaristas mantêm alguns dos métodos de governo eclesiástico pertencentes a estas outras denominações.

LIÇÃO XVI.
CREDOS.

§ 54. Um credo (do latim “credo”, creio) é simplesmente uma crença. Nesse sentido, credos são bons, úteis, e desejáveis para os indivíduos. Se dois ou três que abraçam a mesma crença se unem para convencer outros de sua verdade, isso também é natural e é certo. Se eles declaram seu credo em proposições e artigos, isso também pode ser útil. A tais credos os unitaristas não se opõem. Muitas de suas igrejas têm adotado tais declarações de opinião.

§ 55. Mas os unitaristas se opõem a credos religiosos sob as seguintes condições: 1. Quando se tornam um teste de caráter; 2. Quando se tornam uma condição para associação; 3. Quando se tornam um obstáculo ao progresso. A maioria dos credos da Igreja Cristã se encaixa nessas objeções. Eles se tornaram um teste de caráter cristão, contrário à distinta declaração de Jesus de que a obediência, não a crença ou profissão, seja o verdadeiro teste de caráter (Mateus 7:15-27), e que a verdadeira religião consista em amar a Deus e ao homem (Marcos 12:28-34). Eles se tornaram uma condição de associação cristã, contrário à declaração de Jesus de que quem quer que fizesse a vontade de Deus era como uma mãe e irmã e irmão para ele (Marcos 3:35). eles têm sido um obstáculo ao progresso, impondo as opiniões de séculos passados à crença presente. Apesar de os unitaristas rejeitarem credos como esses, suas convicções religiosas não são menos distintas ou fervorosas.

LIÇÃO XVII.
CRISTIANISMO LIBERAL E RACIONAL.

§ 56. Cristianismo Liberal, ou liberdade na religião, não significa licença para crer no que escolhemos, mas liberdade para buscar a verdade em qualquer lugar, em todos os lugares, e sempre. Significa que não devemos apenas estar dispostos a aceitar que outros difiram de nós, mas prontos a ajudá-los a buscarem respostas livremente, mesmo que sua busca os leve a acreditar em coisas que consideramos errôneas. Significa que não devemos julgar uns aos outros (Mateus 7:1-5; Romanos 14:1-23), nem devemos submeter nossa própria crença ao julgamento de qualquer igreja ou qualquer autoridade humana.

§ 57. Cristianismo Racional não significa que devamos rejeitar todas as crenças que agora não vemos como racionais, ou fazer da razão a única fonte da verdade. Mas, significa que devemos testar cada crença pela luz de nossa razão, e buscar entender claramente o que pensamos e por que o pensamos.

LIÇÃO XVIII.
O DEVER RELIGIOSO.

§ 58. Os unitaristas creem que todo o dever do homem consiste em praticar a justiça, amar a misericórdia, e caminhar humildemente com Deus (Miqueias 6:8); e em amar a Deus com todo o coração, e ao próximo como a si mesmo (Mateus 22:37-39). Creem que a essência da religião seja a virtude; que “os puros de coração veem a Deus”, que quem quer que ouça as palavras de Cristo e as cumpra, construiu sua casa sobre a rocha (Mateus 7:24). Creem que se tivermos um desejo sincero de vivermos uma vida boa, podemos confiar na promessa que aqueles “que têm fome e sede de justiça, serão saciados”; e que se estivermos prontos, quando falhamos, a nos arrepender, confessar, e abandonar nosso pecado, “Deus, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça” (1 João 1:9).

§ 59. Cremos que o homem verdadeiramente virtuoso esteja no caminho da salvação, seja qual for sua forma exterior de religião. A mera moralidade superficial, não enraizada em princípios, não chamamos de bondade. Mas quem quer que busque fazer a vontade de Deus, e ser fiel e justo para com o homem, seja pagão ou cristão, cremos que será aceito por Deus, o Pai de toda a humanidade (Atos 10:35; Mateus 25:34-41; Romanos 2:14-16).

§ 60. Os unitaristas consideram a virtude como o fim, e os atos religiosos como o meio e ajuda para aquele fim. Virtude interna do coração expressa por virtude externa na vida é essencial. A religião existe em favor da virtude, e pertence não apenas à Igreja e ao domingo, mas a todos os lugares e a todos os tempos. Deve ir conosco para nossa casa, para nosso local de trabalho, para a nossa diversão, e ser a ajuda e força do dia a dia. A religião é dada para tornar toda a vida sagrada; para santificar os negócios, a política, o prazer, o trabalho, e todas as nossas relações.

LIÇÃO XIX.
A VIDA FUTURA.

§ 61. Os unitaristas creem que a vida futura será uma continuação da vida presente, com oportunidade para mais crescimento e desenvolvimento. Creem que todo homem irá “para seu lugar”, o lugar ao qual ele pertence, o lugar onde seja melhor para ele estar. Jesus diz: “Existem muitas moradas na casa de meu Pai. Se não fosse assim, eu lhes teria dito” (João 14:2).

§ 62. De acordo com o Novo Testamento, a morte exterior, aquilo que chamamos de morte, não é nada; é meramente a alma deixando seus presentes instrumentos para tomar outros. A única verdadeira morte é a morte da alma; ou seja, pecado, ignorância, descrença. A alma que vive em pecado está morta em suas faculdades maiores. Cristo vem para nos elevar dessa morte espiritual para a vida espiritual; e então dizemos: “A lei do espírito, que dá a vida em Jesus Cristo, nos libertou da lei do pecado e da morte” (Romanos 8:2). O Apóstolo diz que Jesus “venceu a morte” (2 Timóteo 1:10); e Cristo diz a respeito de si mesmo: “Eu sou a ressurreição e a vida” (João 11:25). A verdade, o amor, e a influência de Cristo são a ressurreição da alma, assim como são a vida da alma. A ressurreição é ressurreição espiritual, como a vida é vida espiritual. Quando Jesus diz: “Esta é a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele acredita, tenha vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:40), ele não fala da ressurreição do corpo, mas do princípio da vida espiritual que ele comunica à alma.

Quando cremos que Deus cuida de nós, que nos ama, estamos livres do medo da morte. Confiamo-nos inteiramente ao nosso fiel Criador, e dizemos: “Em tuas mãos, ó Senhor, entrego o meu espírito”, certos de que quando estamos com ele estamos seguros.

LIÇÃO XX.
PROVAÇÃO, JULGAMENTO, E RETRIBUIÇÃO.

§ 63. Frequentemente ouvimos dizer que esta vida é um estado de provação; mas cremos que ela lembre mais uma escola, onde somos educados para um vida melhor e mais elevada depois. As provações e sofrimentos desta vida são uma disciplina proveitosa, que tem por objetivo revelar e fortalecer os poderes da alma. Devemos aprender aqui a diferença entre o certo e o errado, entre a verdade e o erro, aprender a formar hábitos de virtude, aprender a amar e confiar em Deus, aprender a viver com os outros homens como irmãos. Para fazer isso, precisamos nos examinar e testar com frequência, e, assim, encontrar nossa fortaleza e nossa fraqueza. Nesse sentido, a vida pode ser vista como um período de provação. Deus não precisa nos provar para descobrir como somos; “tudo fica nu e descoberto aos olhos dele” (Hebreus 4:13).

§ 64. O Julgamento futuro, como os julgamentos desta vida, é provavelmente diferente para cada alma individual. O Dia do Julgamento chega quando qualquer um se descobre como realmente é, e é visto por outros em seu verdadeiro caráter. Nossa consciência exige um julgamento Divino de toda conduta e caráter humanos; não tanto para que o bom seja recompensado e o mal punido, como aquela bondade que foi mal-compreendida seja justificada, e a maldade que passou por bondade seja exposta; para que os erros sejam corrigidos, e para que os homens vejam a justiça de Deus. É também necessário para o progresso moral do próprio homem, para que ele seja liberto da ilusão, se ele estiver se enganando. Mas quanto mais um homem for capaz de ver seu pecado aqui, e estiver pronto para confessá-lo e se arrepender dele, mais ele torna os julgamentos da vida futura menos necessários para ele. Portanto, é dito: “Se nós examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” (1 Coríntios 11:31). “Se reconhecemos os nossos pecados, Deus, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça” (1 João 1:9). Em João 5:22 lê-se: “O Pai não julga ninguém. Ele deu ao Filho todo o poder de julgar”. Em outro lugar, Cristo diz: “eu não julgo ninguém” (João 8:15). Essas passagens são harmonizadas pelas palavras de Jesus: “a palavra que eu falei será o seu juiz no último dia” (João 12:48). A verdade que Cristo ensinou deve ser nosso padrão, e por ela seremos julgados. A coisa essencial no julgamento futuro, cremos ser a manifestação da verdade à consciência de todo homem diante de Deus, para nos vermos como somos e Deus como ele é.

§ 65. Os unitaristas creem que a retribuição futura venha da operação das mesmas leis que produzem retribuição aqui. Pelos princípios eternos da Providência Divina, fazer o bem cultiva a saúde moral, paz, e crescimento espiritual; fazer o mal cultiva a doença moral e o sofrimento. Essas leis são beneficentes em sua operação neste mundo e em todos os mundos. Toda punição intenciona reformar-nos e fazer-nos bem. Esse princípio do governo Divino está expresso em Hebreus 12:10, onde é dito que o Pai dos espíritos nos corrige “para o nosso bem, a fim de que sejamos participantes de sua própria santidade”.

LIÇÃO XXI.
CÉU E INFERNO.

§ 66. Os unitaristas não acreditam que após a morte haverá dois mundos distintos e separados - um para os bons e outro para os maus – um de felicidade perfeita imutável, e outro de infelicidade plena imutável. O “grande abismo” (Lucas 16:26) entre os bons e os maus neste mundo e em todos os outros consiste na eterna distinção entre o bem e o mal. Enquanto alguém estiver no inferno do desejo egoísta, nenhuma gota consolante de conteúdo celestial pode vir a ele. Os unitaristas acreditam em muitos infernos e muitos céus, de acordo com o caráter e condição de cada pessoa. Creem que o propósito do sofrimento futuro será reformatório e não vingativo; e que se um homem for egoísta e incontrolável, é melhor para ele sofrer as consequências desses males para que se torne melhor.

§ 67. Os unitaristas se opõem à doutrina comum da punição eterna como sendo hostil à soberania, sabedoria, justiça, e misericórdia do Ser Divino, e também como limitando o poder redentor de Cristo e de seu Evangelho. Creem que, sendo o objetivo da punição reformatória, apenas continuará até que o pecador seja reformado.

Se disserem que não temos direito de raciocinar da perspectiva da justiça e misericórdia humanas aquelas de Deus, respondemos: 1. Que tudo o conhecemos da justiça deve vir do princípio de justiça implantado na consciência humana pelo próprio Deus; 2. Que o próprio Jesus compara o amor do Pai Celestial com o amor dos pais terrenos, e nos mostra, com um exemplo de bondade imperfeita, o que podemos crer que a bondade Divina fará por nós (Mateus 7:9-11).

A doutrina da punição eterna tende a destruir a fé no poder redentor e conquistador do Evangelho; pois nele somos ensinados que o bem é mais forte que o mal, que o amor é capaz de vencer todo o pecado, e que é o prazer do Pai reconciliar todas as coisas na terra ou no céu a si mesmo por meio de Jesus Cristo (Colossenses 1:20).

Quando Jesus declarou (Lucas 15:7) que “haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão”, ele implicou que a aflição no céu por uma única alma perdida seria maior que a alegria por noventa e nove que fossem salvas, e que mesmo os anjos não podem estar felizes enquanto um pecador se afasta do amor que está esperando para abençoá-lo.

* Nesta definição de razão segue-se a escola de pensamento representada por escritores como Coleridge, Victor Cousin, e Dr. James Walker, que distinguiram “razão”, a maior faculdade intelectual, de “raciocínio”, uma função da compreensão menor.
* Seguimos o costume de dizer “Jesus Cristo”, apesar de que seria sempre mais correto dizer “Jesus, o Cristo”. Cristo, ou Messias, não é um nome próprio, mas o nome de um ofício.


CLARKE, JAMES FREEMAN. Boston, 1884.

sábado, 6 de dezembro de 2008

A Próxima Reforma Radical - Vinte e Uma Teses - Robert W. Funk




Teologia

  1. O Deus da era metafísica está morto. Não há um deus pessoal externo aos seres humanos e ao mundo material. Temos de contar com uma profunda crise na linguagem teísta e substituí-la com uma conversa sobre se o universo tem sentido e sobre se a vida humana tem propósito.
  2. A doutrina da criação especial das espécies morreu com o advento do Darwinismo e com a nova compreensão da idade da terra e da magnitude do universo físico. A criação especial anda de mãos dadas com a noção de que a terra e os seres humanos estejam no centro da galáxia (a galáxia é antropocêntrica). O desaparecimento de um universo geocêntrico levou a doutrina da criação especial consigo.
  3. A desliteralização da história de Adão e Eva no Gênesis trouxe um fim ao dogma do pecado original como sendo algo herdado do primeiro ser humano. A morte não é uma punição pelo pecado, mas é inteiramente natural. E o pecado não é transmitido de geração a geração por meio do esperma humano, como sugerido por Agostinho.
  4. A noção de que Deus interfira com a ordem da natureza de tempos em tempos para ajudar ou punir não é mais plausível, apesar de as pessoas ainda acreditarem nela. Milagres são uma afronta à justiça e integridade de Deus, como quer que sejam entendidos. Os milagres são apenas concebíveis como o inexplicável; caso contrário, contradizem a regularidade da ordem do universo físico.
  5. A oração não faz sentido quando entendida como uma petição de favor ou perdão endereçada a um Deus externo, e não faz sentido se Deus não interfere nas leis da natureza. A oração como louvor é um resquício da era da monarquia no antigo Oriente Médio e está abaixo da dignidade da divindade. A oração deve ser entendida principalmente como meditação - como ouvir em vez de falar - e como atenção às necessidades do próximo.

Cristologia

  1. Devemos rebaixar Jesus. Não é mais plausível pensar em Jesus como sendo divino. A divindade de Jesus anda de mãos dadas com a velha maneira teísta de pensar a respeito de Deus.
  2. O enredo que os primeiros cristãos inventaram de uma figura redentora divina é tão arcaica quanto a mitologia na qual está moldada. Um Jesus que cai do céu, que executa um ato mágico que liberta os seres humanos do poder do pecado, que ressuscita dos mortos, e retorna ao céu simplesmente não é mais plausível. A noção de que ele retornará no fim dos tempos e que sentará em um julgamento cósmico é igualmente não plausível. Devemos encontrar um novo enredo para um Jesus mais crível.
  3. O nascimento virginal de Jesus é um insulto à inteligência moderna e deve ser abandonado. Além disso, é uma doutrina perniciosa que denigre as mulheres.
  4. A doutrina da expiação - a afirmação de que Deus matou seu próprio filho para satisfazer sua sede de satisfação - não é nem racional nem ética. Esta doutrina monstruosa deriva de um sistema sacrificial primitivo no qual os deuses tinham de ser apaziguados com uma oferta a eles de algum presente especial, como uma criança ou um animal.
  5. A ressurreição de Jesus não envolveu a ressuscitação de um cadáver. Jesus não se ergueu de entre os mortos, exceto, talvez, num sentido metafórico. O significado da ressurreição é de que alguns de seus seguidores - provavelmente não mais do que dois ou três - finalmente entenderam-no. Quando passaram a entender o significado de suas palavras e atos, não conheciam nenhum outro termo com o qual pudessem expressar sua surpresa a não ser afirmar que tinham-no visto vivo.
  6. A expectativa de que Jesus voltará e de que sentar-se-á num julgamento cósmico é parte integrante da visão de mundo mitológica que agora está morta. Além disso, ela desperta a cobiça humana pela punição de inimigos e de malfeitores e a correspondente esperança pelas recompensas dos piedosos e justos. Todos os elementos apocalípticos devem ser apagados da agenda cristã.
O Domínio de Deus de acordo com Jesus
  1. Jesus advoga e pratica uma confiança ética. O reino de Deus, para Jesus, é caracterizado pela confiança na ordem da criação e na bondade essencial do próximo.
  2. Jesus convida seus seguidores a celebrarem a vida como se tivessem acabado de descobrir um esconderijo de moedas num campo ou como se tivessem sido convidados para um banquete.
  3. Para Jesus, o reino de Deus é um domínio sem fronteiras sociais. Nesse reino não há judeu ou grego, homem ou mulher, escravo ou livre. homossexual ou heterossexual, amigo ou inimigo.
  4. Para Jesus, o reino de Deus não tem corretores, nem mediadores entre os seres humanos e a divindade. A igreja tem insistido na necessidade de mediadores, a fim de proteger seu sistema de corretagem.
  5. Para Jesus, o reino não exige rituais de culto para marcar os ritos de passagem de estrangeiro a cidadão, de pecador a justo, de criança a adulto, de cliente a corretor.
  6. No reino, o perdão é recíproco: os indivíduos podem tê-lo apenas se o oferecerem.
  7. O reino é uma jornada sem fim: chega-se apenas quando se parte. É, portanto, uma odisséia perpétua. Exílio e êxodo são as verdadeiras condições da autêntica existência.
O Cânon
  1. O Novo Testamento é um registro muito desigual e tendencioso de tentativas ortodoxas de inventar o Cristianismo. O cânon de escritura adotado pelo Cristianismo tradicional deveria ser contraído e expandido simultaneamente para refletir respeito pela velha tradição e abertura à nova. Apenas as obras de poetas fortes - aqueles que nos espantam, que nos surpreendem com um vislumbre do que está além da margem da visão presente - deveriam ser consideradas para inclusão. O cânon deveria ser uma coleção de escrituras sem um texto fixo e sem limites internos ou externos, como o mito do Rei Artur e os cavaleiros da távola redonda ou o mito do Oeste Americano.
  2. A Bíblia não contém padrões fixos, objetivos de comportamento que devam governar o comportamento humano em todos os tempos. Isto inclui os dez mandamentos, assim como as admoestações de Jesus.

A linguagem da fé

  1. Ao rearticular a visão de Jesus, devemos tomar cuidado para nos expressarmos com os mesmos elementos que ele empregou em suas parábolas e aforismos - paradoxo, hipérbole, exagero, e metáfora. Ademais, nossas reconstruções de suas visões devem ser provisórias, sempre sujeitas a alteração e correção.
Originalmente publicado em 1998, pelo autor.

Robert W. Funk (18/07/1926 - 03/09/2005)